Há certas questões que quando analisadas ao contrário, revelam realidades que de outra forma não são visíveis.
Resumindo uma longa história que já abordamos aqui na PCManias, recentemente a Microsoft alterou uma política de anos, e aderiu ao Cross-Play. E nesse sentido convidou Nintendo e Sony para se juntarem. Este é um pedido que no fundo é extensivo, mais cedo ou mais tarde, a todos os jogos, com uma finalidade de se criar uma comunidade única.
A Nintendo, pelo menos para já, aceitou, mas a Sony recusou, preferindo ficar-se pelo Cross-Play apenas com o PC, mas não com as consolas adversárias.
E esta situação tem levada a uma onda de críticas à Sony, curiosamente a empresa que há mais anos suporta a característica (desde 2002), fazendo acreditar que nesta situação há alguém que só quer algo de bom e do outro outro que não quer dar isso aos seus clientes.
E analisar a situação é algo delicado. A Microsoft parece apenas querer o bem da comunidade, e não haja dúvidas que a Sony entrou por caminhos um pouco tortuosos para explicar a sua rejeição. Os seus argumentos relativos à questão dos assédios dos pedófilos nos servidores de Minecraft, mesmo dotados de alguma razão, são uma desculpa um pouco esfarrapada. A Sony também já teve questões do género no seu PSN Home! E apesar de nesse caso a sua intervenção ter ajudado à prisão da pessoa em questão, algo que seria mais difícil em servidores de terceiros, a realidade é que a Microsoft nesse aspecto colaboraria certamente a 100% uma vez que este não é o tipo de imagem que qualquer empresa goste de ter.
Mas, basicamente, como já dissemos em um artigo anterior aqui publicado na PCManias, isto são empresas. E nenhuma delas se preocupa verdadeiramente com os seus clientes, mas sim apenas com os lucros, e nesse aspecto as verdadeiras grandes razões da Sony são outras!
Basicamente os reais motivos são dois:
1 – Não aumentar o tráfego da Xbox Live, uma vez que este tem sido usado como arma de marketing contra a PSN (e alguns jogos requerem mesmo log in no live).
2 – Não fornecer à Xbox Live tráfego para alimentar os seus servidores de jogos.
Ora é neste último ponto que a situação é mais crítica. Porque este tem várias vertentes e não só é só um dos motivos pelos quais a Sony recusa, mas igualmente um dos motivos pelos quais a Microsoft mudou agora de opinião sobre o Cross-Play. É que como veremos, os reais motivos da Microsoft não são o, subitamente, querer o melhor para o mercado e para os jogadores. O que ela quer é outra coisa, e as consequências de uma aceitação da Sony são demasiadamente grandes para poderem ser sequer ponderadas! Tal como com a Sony, os motivos da Microsoft são puramente financeiros.
Daí que a resposta à pergunta “Porque é que a Sony não quer aderir?” não se consiga dissociar da pergunta “Porque é que a Microsoft agora quer aderir?“. Ambas estão ligadas, mas é na análise à resposta à segunda pergunta que encontramos a verdadeira percepção para a resposta da primeira.
Convenhamos, basta analisarmos o passado para percebermos de forma clara que a Microsoft nunca ligou ao Cross-Play. Ao ponto de nunca ter criado, em número digno de registo, jogos que permitissem o Cross Play mais básico dos básicos, aquele que não requer sequer outros sistemas e que inclui a ligação apenas entre as suas próprias consolas (Xbox, Xbox 360 ou Xbox One). Já a Sony, por sua vez criou largas dezenas de títulos cross play entre PS4/PS3/PS Vita/PC, PS4/PS3/PC, PS4/PS Vita, PS3/PS VITA, PS4/PC, PS3/PC, PS Vita/PC, PS4/PS3, e mesmo com MAC, outras consolas e aparelhos móveis. (NOTA: A retro-compatibilidade da Xbox One não é cross-play! Cross-Play implica dois jogos criados para sistemas diferentes, e não o mesmo jogo a correr nativamente em um e emulado no outro)
No que toca ao Cross-Play com outros sistemas, particularmente com PC, a Microsoft apenas recentemente aderiu em força. Após largos anos de desinteresse, apenas à algum tempo começou a mostrar-se interessada, inicialmente apenas com os jogos da plataforma Xbox que eram portados para o PC, e agora, bem mais recentemente, finalmente com jogos de terceiros. Mas porque agora… neste exacto momento?
Bem, a grande, grande resposta a esta pergunta passa pela realidade das vendas de consolas! Como aqui na PCManias já o demonstramos com alguns gráficos e números que vão sendo disponibilizados pelas poucas fontes existentes para estas situações, apesar de as vendas da Xbox estarem um pouco abaixo de metade das da PS4, não é que se possa dizer que a Xbox esteja a vender mal, com cerca de 30 milhões de consolas vendidas. Mas infelizmente esse é um número estatístico que representa uma média de vendas, mas que não reflecte totalmente a realidade do mercado.
Ora como a estatística nos diz, “se eu comer dois frangos e tu não comeres nenhum, em média comemos um frango cada um”, e este é o problema deste valor: É que apesar de a Xbox One estar a vender basicamente metade da PS4, isso não acontece em todos os mercados, mas sim na média. E no global é o mercado norte americano que tem vindo a segurar a consola. Ou seja, ao contrário da PS4 que vende relativamente bem em todos os lados, a Xbox One, tal como aconteceu com a Xbox 360, tem locais onde vende muito mal, e os seus valores globais são conseguidos por uma média de vendas bem menos equilibrada que na consola da Sony. Se na Xbox One basicamente quem “come o seu frango” são os EUA, a PS4, divide bem melhor o “franguito” pelos vários mercados.
Por exemplo, no mercado Europeu as médias globais de venda são bem diferentes dos quase 1:0.9 (PS4:Xbox) do Mercado Norte americano, passando a 3:1 a favor da PS4. E aqui temos depois grandes disparidades face ao mercado Norte Americano, como o mercado Espanhol onde as vendas da PS batem as da Xbox numa média de 6:1, ou em França e Alemanha onde se atingiu já os 4:1.
Ora o relevante aqui é perceber-se as disparidades existem em quantidade, disparidades essas que atingem o seu pico no mercado Japonês onde segundo os números da Famitsu que publicamos recentemente aqui na PCManias, a Xbox vende algo como 69 consolas por semana contra 25 117 Playstations. Isto é basicamente um 365:1 a favor da consola da Sony!
Assim, para percebermos bem os motivos do timming da Microsoft no que toca à mudança de postura face ao Cross-Play, o Japão torna-se num exemplo ideal. Daí que, para facilitar a compreensão, vamos tomar como exemplo exactamente esse caso pior, o Japão, um mercado onde, para todos os efeitos, a Xbox One está morta!
Apesar de que as vendas existem, a realidade de mercado dita que o comprador fique logo condicionado à partida perante o confronto com várias realidades, das quais vamos destacar duas que estão mais ligadas ao online, e consequentementem, ao Cross-Play:
- De que adianta comprar uma consola Xbox ali se quando alguem fica online, pelo baixo número de utilizadores locais, o servidor de jogo mais próximo fica certamente a milhares de Kms de distância, prejudicando assim o utilizador face aos outros jogadores de outras localidades contra os quais vai jogar, a nível de ping e consequente lag?
- Da mesma forma, de que adianta a consola se poucos (ou no caso do Japão, basicamente nenhum) amigos possuem uma consola igual para jogarem com ele?
Ora se os amigos estão online na outra consola… e se queres jogar com eles, não é esta preferível?
Não tenham dúvidas, a consola onde estão os amigos, e onde se pode jogar online com eles, é, e sempre foi um forte fator de vendas! É aliás um ponto determinante em muitos casos, principalmente entre os adolescentes estudantes (mas não só) que podem assim jogar com os colegas.
E esta disparidade que afecta a escolha no momento de compra é actualmente é um problema da Microsoft em vários mercados, sendo que tal é mais marcado em uns do que em outros mas, com excepção do território Norte Americano, praticamente nunca encontramos outro onde a consola da Microsoft esteja em igualdade de condições face à realidade da Playstation.
E, se já não perceberam, perceberão rapidamente nas próximas linhas que este é é um, se não mesmo o principal motivo pelo qual subitamente o Cross-Play, que antes nunca interessou, subitamente interessa à Microsoft!
É que agora há no horizonte uma nova consola… Uma consola que pela primeira vez nesta geração traz as vantagens da performance para o lado da Microsoft. Uma consola que, tal como as outras, é destinada a penetrar em todos os mercados mundiais, e da qual a Microsoft espera que esta possa mudar o cenário um pouco mais a seu favor!
Acima de tudo, uma consola que custou muito dinheiro a desenvolver (muito mais que a Pro da Sony), que usa muita tecnologia criada de raiz e que nem se sabe exactamente se será vendida com lucro, e que, como tal, requer vendas para que se possa obter o devido retorno!
No entanto, se a Xbox One, por ser uma nova geração, partiu para a venda basicamente em igualdade de circunstancias com a PS4, com ambas com o mercado mundial a Zero, a Xbox One X, ao ser uma continuidade da One, não o vai fazer. E vai-se deparar com um mercado já feito, onde certas realidades favoráveis à consola da Sony, causadas pelos volumes de vendas não se alteram repentinamente apenas pelo simples facto da consola existir, ou ter mais Tflops.
Daí que não seria óptimo para a Microsoft se de repente um mercado como o Espanhol, o Francês, ou especialmente o Japonês repentinamente partilhasse servidores entre PS4 e Xbox One, criando iguais condições de jogo e trazendo subitamente um grupo alargado de pessoas que pudessem jogar com os possuidores da Xbox, acabando assim com a marca da consola como fator determinante na compra para quem quer jogar com os amigos?
Não permitiria isto, ao fazer esquecer a marca como fator determinante do online, fazer com que as pessoas se pudessem focar apenas nas características das consolas e, consequentemente, naquilo que a Microsoft quer mostrar na sua Xbox One X, a melhor performance? Pegar naquele utilizador que pensa: “Bem, é uma consola interessante. Mas não é Playstation, e os meus amigos estão online na Playstation pelo que se quero 4K fico-me pela Pro”, e coloca-lo a pensar : “Bem, vou mudar para a Xbox… afinal é mais potente e isso não me afecta nada pois continuo a jogar com os meus amigos, mesmo eles estando na Playstation”.
Certamente seria ouro sobre azul. Num mercado onde a sua consola fosse já vista como secundária, ou mesmo como morta, e onde poucos se mostrariam interessados na performance adicional uma vez que os seus amigos não jogam nessa consola, subitamente esta poderia renascer e assim dar uma nova oportunidade à Microsoft de igualar estas disparidades e dificuldades de venda criadas pela diferença de vendas… Basicamente, praticamente todas as barreiras e impedimentos à compra da Xbox One X, criadas no online pela menor quantidade de vendas que separam a Xbox da Playstation, desapareceriam.
Que maravilha! Após 4 anos de erros sucessivos que levaram à atual realidade de mercado, e que vão agora criar dificuldades adicionais à Xbox One X penetrar ao nível desejado em muitos mercados, ir buscar as pessoas às redes da própria concorrência, para alimentar os seus servidores e ao mesmo tempo acabar com a relevância da marca como fator de compra para quem joga online com os amigos, seria certamente um sonho tornado realidade.
Isto é naturalmente assunto tabu para as empresas. Revelar que os reais motivos do pedido de Adesão da Microsoft ou da recusa da Sony são os referidos neste artigo seria um mostrar que afinal o jogador não está primeiro. Mas não hajam dúvidas, se da Sony já tinhamos dito que as crianças era apenas uma desculpa para esconder os reais motivos da recusa, este é o real motivo por detrás das aparentes boas intenções da Microsoft, num timming que de inocente não tem nada. O convite é uma espécie de presente envenenado para algo cuja resposta era já conhecida, mas que na opinião pública, para quem não analise verdadeiramente as coisas, até deixa ficar mal a Sony! (E as marcas sendo ambas hipócritas, nenhuma delas tem coragem de assumir as reais razões)
Naturalmente a Nintendo também tem interesses, e como tal participa. A sua Switch, por motivos diferentes, está numa situação em que tem pouco mercado em todo o lado, e com um futuro ainda por definir e ensombrado pelo que se sucedeu com a WiiU. Mas mais ainda a sua consola, ao ser portátil, no fundo não rivaliza diretamente com as restantes, e assim sendo esta situação ajuda-a a nivelar realidades e a superar lacunas que poderão ser muito importantes na definição do sucesso ou insucesso futuroda sua consola. Da parte da Microsoft, o sucesso crescente da Switch no Japão é exactamente a ajuda que a Microsoft quer nesse tipo de mercado, sendo que por isso, neste caso, esta é uma relação de amizade e interesse mútuo, mas não nos vamos iludir, uma recusa da Nintendo não teria nunca o mesmo impacto global que o da Sony, pois o número de jogos conjunto com a Xbox é muito maior neste segundo caso.
Mas no que toca à Sony… Perante a realidade escondida de todos os argumentos, o mais coerente é esta manter-se mesmo pelo Crossplay com as restantes plataformas, excluindo a Xbox! Porque não o fazer não é ser mázinha para os seus clientes, negando-lhes um Cross Play que na realidade já existe há anos e continua a existir, como se está a tentar pintar na opinião pública. Seria, como perceberam já neste momento, abdicar de uma vantagem que foi construida ao longo de quatro anos e com um nível de investimento elevado, seguindo as regras competitivas do jogo que vigoram à mais de 40 anos, e que a Microsoft quer mudar a meio do jogo, e numa altura em que lhe é conveniente. E perante a ainda fragilidade económica da Sony, dependente do sucesso da sua consola para sobreviver, a perda destas vantagens seria basicamente arriscar cometer um possível suicídio ou no mínimo, voluntáriamente, colocar severos pontos de interrogação sobre o futuro da empresa e consequentemente de uma consola que os seus fans tanto gostam.
Agora a pergunta fica: Porque motivo haveria a Sony de dar esta abébia à Microsoft, quando ambas as consolas partiram ambas do zero, e lutaram de igual para igual para conseguirem o que tem hoje, estando todas as vantagens criadas pelos resultados dessa batalha do seu lado devido a melhores decisões empresariais? Mesmo que nesta fase a situação de Cross Play fosse limitada a um ou outro jogo, abrir o precedente iria criar um problema para a Sony no futuro quando tivesse depois de dizer que não à abertura total. E assim sendo… porque adiar?
Quem sabe no futuro… quando a consola da Sony vender bastante menos que a da Microsoft, seja a Sony a pedir… Mas certamente nessa altura estaremos aqui na PCManias a escrever a mesma coisa, apenas trocando a ordem dos nomes das empresas. Porque isto são negócios, num mundo competitivo e hipócrita, onde as empresas concorrente só não se aniquilam umas às outras se não puderem. E quem desconhece esta realidade e acredita que as empresas funcionam à base de agradinhos, ou é ainda muito novo, ou vive noutro planeta.