Os riscos de um Netflix dos jogos

Subscrições… Streaming… Não são novidades! Mas esses serviços crescerem e se tornarem um Netflix dos jogos… isso seria. E poderia ter consequências sérias na industria, destruindo aquilo que conhecemos!

Os serviços de subscrição e os serviços de Streaming existem e prometem aparecer com mais força no futuro. Mas apesar de a tecnologia para eles estar a alterar-se a melhorar, com a industria a aparentar querer perseguir esse caminho no futuro a realidade é que as subscrições, neste caso sob a forma de aluguer de jogos fisicos já existe à mais de 30 anos, e o Streaming já é conhecido há cerca de uma década.

Microsoft, Sony  e EA já possuem serviços deste tipo, mas outras empresas que já estão neste mercado como a Hatch, a Jump, a Utomik ou a PlayKey e outras a quererem entrar como a Capcom, a EPIC, a Ubisoft, a Amazon e a Google.

Há no entanto uma série de questões que são problemas que se levantam a estas empresas. Já abordamos isto antes e não vamos tocar novamente no assunto, mas acima de tudo há questões técnicas e monetárias que são problemas que podem impedir a quantidade de produção e a qualidade que actualmente vemos existir. Mas apesar destas situações merecerem debate, a ideia deste artigo não é abordar novamente os problemas e os riscos que estes serviços trazem à industria, mas sim analisar que impactos um “Netflix dos jogos” poderia ter, acima de tudo para os criadores de videojogos.

Quando entramos no Netflix uma coisa salta à vista. O conteúdo é de tal forma que não conseguimos ter a noção do que existe, e da sua qualidade. E para percebermos o que ali há, temos de pesquisar, seja pelo título, por a navegar por tipo, por populariedade, etc. E isto teria impacto nos pequenos criadores. É que muitas vezes um jogo é de qualidade mediana, não agrada a todos, mas mesmo assim é interessante. E quantas e quantas vezes, esse sucesso mediano não foi o que garantiu os meios para que o seu sucessor pudesse ser um sucesso.



Ora com este tipo de situação, onde os jogos menos jogados são enterrados pelos mais procurados, a probabilidade dos jogos medianos terem sucesso acaba por ser inferior. Seria algo de muito, muito mau para os pequenos produtores, para o empreendedorismo, e para a industria em geral, podendo-se perder grandes pessoas válidas que se iniciam sozinhas e que com o devido sucesso poderiam fazer a diferença mais tarde.

A situação piora quando o detentor da plataforma é igualmente criador, e altera a plataforma de forma a publicitar os seus jogos mais do que os dos outros. Isto não só traz um tratamento desigual e impossível de controlar, como prejudica terceiros.

Vemos isso claramente no Netflix, onde os seus conteúdos originais são publicitados de forma a não passarem em claro, ao passo que lançamentos de terceiros, muitas vezes até relevantes, passam por vezes ao lado.

Há depois uma outra questão associada a este serviço, e ao streaming em geral. O mundo das alterações caseiras vulgarmente conhecido como “Mods”. Sim, é certo que nem todas as plataformas beneficiam deles, mas há outras que o fazem… e isto seria perdido pois certamente os servidores não poderiam ter os mods todos instalados activando-os quando se quisesse. Isto seria acima de tudo problemático pois sendo estes mods muitas vezes alterações caseiras, o uso de recursos e a estabilidade dos mesmos poderá não ser a melhor. E colocar-se em causa a estabilidade de um servidor por causa de um Mod é algo que certamente não agradará ao detentor do servidor.

Aliás, sendo estes mods maioritariamente gratuitos, e vivendo de ofertas monetárias de quem mais os usa e os pretende ver melhorados, este tipo de serviços dificilmente conseguiria conviver com isso. Afinal ceder recursos extra a custo zero, e não levar uma fatia das receitas é algo impensável.

Outro dos grandes problemas que este tipo de serviços levantaria é o acesso a verbas para o desenvolvimento. Muitos pequenos criadores recebem fundos de pessoas que esperam que um dia o jogo possa vir a ser um sucesso, recebendo de volta o investimento com algum retorno extra. Mas com um serviço destes a dificuldade em se tornar o jogo popular, como já visto, seria maior, a monetização seria bem menor devido a ser apenas uma pequeníssima fracção da mensalidade, e o retorno, a existir, seria lento e diluído no tempo. Apostar no investimento de pequenos jogos, pelo tempo que o retorno poderia demorar, e o maior risco, deixa de ser compensatório. Se apostar num pequeno produtor já é um risco, com este tipo de serviços o risco cresceria exponencialmente.



Mesmo que pudéssemos aceitar que estes serviços pegavam a sério, e que a audiência dos mesmos expandia a valores inéditos, com receitas extraordinárias e nunca antes vistas, o interesse de tal parece ser mais do detentor da plataforma do que realmente dos criadores que cedem os seus jogos para a mesma. E quanto mais sucesso estas plataformas tiverem, mais poder o detentor da plataforma ganha para obrigar os criadores a cedências. É um pouco como os grandes supermercados- Possuem os preços mais baratos, é lá que compensa comprar, mas não é para lá que os produtores mais ganham ao vender os produtos, e até preferiam vender os mesmos para outros locais. Mas quando colocados sobre a pressão de ou aderem ou são excluídos das suas lojas que possuem volumes de venda elevadíssimos, os produtores cedem diminuindo margens de lucro.

E isso aqui é um problema! Com o custo do desenvolvimento a crescer, os jogos necessitam de gerar mais e mais receita. Se não o fizerem a qualidade irá cair… e esse problema da sustentabilidade dos jogos quer em quantidade, quer em qualidade, foi algo que já aqui abordamos muitas vezes.

Ou seja, da parte dos criadores, não parece existir o maior dos interesses em participar, pelo menos com os seus títulos mais recentes, num serviço destes. Esse é o motivo pelo qual todos falam em criar os seus próprios serviços do género, e não em aderir aos já existentes.

Mas voltando à comparação com o Netflix, as actuais vendas digitais sejam por subscrição ou Stream estão a fornecer aos criadores dos jogos os dados sobre quantas vezes o seu jogo foi obtido por download ou stream. No modelo do Netflix, esses dados não são fornecidos obrigando a se recorrer a terceiros com dados que podem não ser muito fiáveis.

Ou seja, se o Netflix é realmente o exemplo a seguir-se, estamos aqui com uma situação que não vai agradar nada aos criadores!



Mas claro, as coisas não precisam de ser exactamente iguais ao Netflix, mas o certo é que mesmo que as métricas de acesso aos jogos seja dada, tal não fornece a indicação de quanto dinheiro a mesma está a gerar à plataforma. Num exemplo simples, se duas pessoas pagaram o serviço e ambas jogaram exclusivamente o mesmo jogo, esse jogo gerou duas subscrições. Mas podemos ter um caso onde o jogo foi jogado por centenas de vezes mas apenas pelo simples facto que estava lá. Ou seja, não há uma relação directa entre o acesso ao jogo e a receita efectivamente gerada, e esses dados apenas o detentor da plataforma os possui.

Num outro exemplo, um jogo pode ter uma população activa pequena, mas fiel e que se mantêm com a subscrição por causa do jogo, nem sequer jogando outra coisa. Mas sendo os pagamentos feitos pela percentagem de tempo que a audiência global passa em cada um, , esse jogo terá direito a receitas para o lado do seu criador que não correspondem à realidade do lucro que o jogo está a trazer ao detentor da plataforma.

E neste caso os jogos multi jogador tornam-se super relevantes, e tal ditará a morte dos jogos single player, uma vez que um jogo multi pode manter o jogadores meses ou mesmo anos a jogar, ao passo que um single player não o faz. E se no modelo atual a receita faz-se pelo número de vendas o que está relacionado com o real interesse no jogo, na sua qualidade, exclusividade, e outros factores, no futuro com a métrica do tempo dedicado a tornar-se preponderante, o single player fica condenado à morte! Isto é um problema que não existe nos filmes, mas que existe de forma clara nos jogos, até porque por norma os jogos multi jogador, por muito divertidos que sejam, são supérfluos e banais a nível de conteúdo, pelo menos quando comparados com a riqueza que um jogo de jogador único pode trazer.

Isto dá um poder tremendo ao detentor da plataforma. Serão eles que ditarão os estilos de jogos a criar, serão eles que decidirão o sucesso e o insucesso de muitos jogos, que farão ou destruirão empresas, um pouco ao estilo do que se passa com a industria da musica onde mesmo os artistas mais conhecidos se queixam das royalties que recebem dos serviços de streaming.

Num exemplo real,  um relatório da Citi GPS mostrou que numa faturação de 43 mil milhões feita pela industria da música, apenas 12% dessa receita chegou aos reais criadores. Acima de tudo o relatório mostra que os reais lucros dos artistas não surge dos serviços de streaming mas dos concertos.
Ora se a musica tem os concertos, e os filmes tem a TV e o cinema, os videojogos não tem como obter receitas extras… e este tipo de serviços, é realmente muito bom para o detentor da plataforma, que de forma clara vai tentar mostrar ao cliente vantagens de aderir a um serviço de custo baixo e com muita oferta. Mas na realidade o serviço vai minar aquilo que existe de forma incontrolável!



Basicamente um serviço tipo Netflix dos jogos é um risco para toda a industria. Não só para os criadores, mas para os gamers em geral. A tendência será a que vemos nos smartphones, como jogos básicos, banais e que tentem captar e divertir imediatamente, prendendo o jogador o maior tempo possível. Mas dado que um serviço destes terá de dividir a mensalidade por milhares de jogos, as receitas serão lentas e baixas, arriscando os jogos a que, mesmo jogos com qualidade, pelo aparecimento de novos, possam ter menos tempo de vida que o previsto. E isto leva-nos à quase necessidade monetização adicional dos jogos, com vendas no seu interior. É a única solução que resta!

Será o fim dos jogos como os conhecemos!



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