Os argumentos da Huawei ao Tribunal, para anular a decisão de Donald Trump

A histeria e medo para com o comunismo fazem parte da história dos EUA. E pelos vistos ela continua e Trump não só também a tem, como quer fazer reviver o espírito dos anos 50 para obter suporte interno.

Era eu pequeno, e ainda mal tinha total domínio sobre o que era a maneira de pensar dos Americanos, e via uma série de TV denominada “Tudo em Familia”, que se tornou célebre pela fabulosa interpretação de Carroll O’Connor, no papel de Archie Bunker.

Archie Bunker era suposto representar o Americano comum. E o que se via nessa personagem era basicamente um ódio, um terror, e um repúdio total a tudo o que fossem conceitos comunistas. Da mesma forma, tudo o que Archie via como mau, era certamente derivado dos Comunistas! Ora vivendo eu num país democrático como os EUA, não via no meu país ninguém a agir da mesma forma, achando por isso a postura demasiadamente exagerada. Mas sendo uma série de humor… ria-me!

A questão é que a guerra fria entre a União Soviética e os Estados Unidos estiveram no seu pico nos finais dos anos 40 e inícios dos anos 50, tendo sido criada uma histeria nos Americanos pela ameaça que o regime Comunista poderia trazer. Este receio teve mesmo um nome, a “Red Scare”, ou Medo Vermelho, devido à bandeira vermelha da União Soviética (no MEME de cima Archie chama aos comunistas Pinko, ou Rosados, um gozar com a cor).



Este medo vermelho teve impactos profundos na sociedade Norte Americana, e tal era claro em séries como a referida. Havia controlo sobre as pessoas e suspeitas sobre tudo e todos de poderem estar a colaborar com os comunistas. Era um regime de medo e repressão que fez parte da história dos EUA.

Apesar de estarmos agora em 2019, certos comentários de utilizadores Norte Americanos sobre o que se está a passar com a Huawei, atacando-a pelo simples facto de ser de um país com um regime comunista, faz lembrar os tempos do Medo Vermelho, e aquilo que era o espírito Norte Americano que via nessa série. Para Archie Bunker, razões ou argumentos, eram algo que não estava em causa, pois se era mau era certamente comunista, e se era comunista ou associado ao comunismo… era algo de que se tinha de fugir e combater, independentemente de tudo o resto!

E para Trump a coisa parece ir pelo mesmo caminho, tendo nascido em 1947, certamente conviveu com muitos familiares que viveram o auge dessa era, e parece querer fazer reviver nos Americanos o receio e o orgulho Americano dos anos 50 de forma a obter apoios na sua decisão! Mas aqui, o alvo não são os chineses na sua globalidade, pois o boicote que faz é basicamente direccionado a uma empresa. E este ainda pressiona o resto do mundo a seguir o mesmo caminho, chegando mesmo referir consequências em caso de tal não acontecer. É algo que, pessoalmente, entendo como inaceitável pela forma como está a ser feita, sem hipótese de defesa e sem a apresentação de quaisquer provas, uma atitude que seria compreensível se tomada por um ditador, mas não pelos EUA!

E é exactamente essa a queixa da Huawei, sendo que a sua defesa passa pelos seguintes argumentos que refere ao tribunal:


Olhando para a história vemos que o Parlamento Britânico ditava sentenças contra pessoas que fossem acusadas de conspirar para derrubar a coroa. Pouco interessava se essas pessoas era culpadas ou inocentes, pois se a acusação caísse sobre elas, a lei era promulgada e basicamente a sentença era executada, uma vez que a Coroa, ou a segurança nacional, estava em causa! Foi exactamente olhando para esse passado que a Constituição dos EUA, quando foi elaborada, acrescentou um ponto que impede o Congresso de criar leis que pudessem punir, por elas mesmas, qualquer pessoa ou grupo (o chamado julgamento por legislação), sem que estes tenham direito a um julgamento imparcial.

Ora o que a Huawei entende é que o que Donal Trump fez foi exactamente isso! Donald Trump criou uma lei que tem como alvo a Huawei, uma empresa privada e Chinesa. O decreto de Defesa Nacional de 2019 impõem um banimento em certo equipamento da Huawei e refere que as agências federais não o devem procurar e não o devem usar, sendo que empréstimos e financiamentos governamentais também não podem ser usados na sua compra.



O decreto refere ainda que este abrangerá outras empresas, caso secretário de defesa “acredite de forma razoável” que as empresas são “possuídas ou controladas”, ou mais genericamente  “ligadas” ao Governo Chinês.

Mas o certo é que está a ser aplicada aqui de forma única à Huawei, sem uma oportunidade de defesa ou de escape.

Estes são os motivos pelos quais a Huawei processou o Governo dos EUA, e meteu uma espécie de providência cautelar no sentido de declarar a lei inconstitucional. Entende que o decreto viola o previsto na constituição. Basicamente o congresso promoveu-a e assim castiga a Huawei tanto por alegados maus comportamentos anteriores, como por alegações não comprovadas de que a empresa está associada ao governo Chinês. Tudo coisas que a Huawei nega veementemente.

O que a Huawei alega é então que esta lei não lhe permite a oportunidade de rebater as acusações, de apresentar provas em sua defesa, ou de fazer uso de outros procedimentos que os adjudicadores imparciais fornecem para garantir uma procura justa pela verdade. Basicamente a lei simplesmente toma a Huawei como culpada e impõem vastas restrições com o objectivo directo de a retirar do mercado Americano. Isto é a tirania do “Julgamento por legislação” que a constituição dos EUA tão expressamente proíbe.

A Huawei alega ainda que, mesmo que tal medida fosse constitucional, ela faria muito pouco no sentido de garantir a segurança nacional ou fortificar a segurança das redes de informação governamentais. E isto porque a lei não abrange o fornecimento global de equipamentos que usem componentes ou software chinês. Ela meramente abrange a Huawei! Pior ainda não impede que as agências federais possam usar equipamentos Huawei, mas apenas proíbe novas compras, e não impõem qualquer restrição do uso de equipamento criado pelo governo Chinês em colaboção com outras empresas de telecomunicações.



Basicamente o decreto serve apenas para defender interesses económicos dos EUA. A Huawei é o líder mundial no equipamento 5G. Impedir a Huawei de vender esse equipamento nos EUA reduz a competição, sobe os preços e limita acessos a serviços internet, particularmente em zonas rurais dos EUA onde os competidores da Huawei não estão interessados em apostar.

A Huawei argumenta ainda que há vários governos pelo mundo fora que não tem o mesmo entendimento dos EUA, e que a empresa quer melhor a sua cybersegurança e fornecer o melhor da tecnologia a preços acessíveis.


Acima de tudo, com ou sem razão, o que se entende é que este tipo de medidas não é aceitável sem que os clientes da Huawei por todo o mundo tenham conhecimento da existência de provas concretas que caiam sobre a Huawei. Já não digo que, por questões de segurança, elas venham a público, mas que pelo menos o tribunal as possa avaliar e julgar e dar a conhecer que elas efectivamente existem e são fundamentadas. É uma questão de direito para o consumidor, uma questão de liberdade, de democracia. Algo que no fundo foi o grande pilar da criação da constituição dos EUA, e algo a que nada, se deve sobrepor. Algo que aqui pode estar em causa por uso abusivo de poder numa acusação cujos fundamentos são completamente desconhecidos de todos.



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