Microsoft matou de vez a Xbox One? Ou deu-lhe nova vida?

Em mais uma jogada sem precedentes, a Microsoft desistiu da obrigatoriedade de o Kinect ter de estar sempre ligado a Xbox One. O que resta da Xbox One e da visão do futuro apresentada? E será que tal é uma má jogada?

xboxone-kinectic

NOTA: Todo o artigo que se segue deve ser encarado como uma critica à Microsoft e suas políticas e não algo relacionado com a consola em si. Na parte que nos toca a consola está agora mais desejável do que nunca, e só ganhou com as alterações efectuadas. No entanto o desnorte da Microsoft nas suas políticas é chocante tendo insistido num braço de ferro do qual apenas abdicou aos bocados, tendo prejudicado tremendamente ao longo do tempo a consola com isso e acabando com um produto final cuja ideologia é totalmente diferente da apresentada. E nada disto era necessário pois sem o Kinect obrigatório pensado desde logo a consola podia inclusive ser bem superior à da concorrência.!

A visão inicial

Quando a Xbox One foi anunciada a Microsoft apresentou-a como sendo o futuro. Era a sua visão daquilo que seria um sistema de entretenimento completo, digital e integrado com a casa e com a sala, nomeadamente a TV.



O sistema integrar-se-ia com as restantes tecnologias da sala, oferecendo jogos digitais partilhados e uma assistência constante derivada de um Kinect extremamente avançado e sempre presente que obedeceria a comandos gestuais e verbais para um controlo total de toda a experiência. Era igualmente um sistema universalmente conectado e onde a Internet e o Cloud Computing seriam uma componente essencial.

Era uma visão futurista e interessante. Uma ideia fresca para a ideologia de uma consola. Era a Xbox One, um nome escolhido não para se confundir com a Xbox 1, mas para deixar clara a ideia de  que este seria o periférico principal de todo o sistema de entretenimento caseiro. O principal sistema da sala, o “number one”.

Esta ideia altamente elogiosa, e que para ser implementada necessitaria de garantir a existência das condições necessárias a tal em todas as consolas, pecava contudo por um factor principal e dois secundários que lhe estavam associados, mas dos quais, certamente a Microsoft teria toda a total consciência, optando mesmo assim por lançar um sistema que estivera quatro anos a ser desenvolvido e discutido, e onde esses pontos teriam certamente vindo à baila. Vejamos:

1 – A realidade é que, por muitos méritos que a mesma possa ter, a visão da Microsoft era demasiadamente avançada para a actual realidade de um mundo onde a internet não existe em todos os locais e em todas as casas. Mas mais do que isso, mesmo onde esta está presente nem sempre onde existe a qualidade da ligação, larguras de banda e tráfegos disponíveis para se adequarem à liberdade que a Microsoft pretendia. E como tal, à semelhança de muitos outros milhares de pessoas, este foi o principal ponto que se criticou, pois apesar de se reconhecer os méritos à ideologia, havia a consciência que com a realidade do mundo estas situações deveriam sempre ser postas como alternativas, e não impostas como obrigatórias. Afinal muitos ficariam sem acesso à consola devido a não possuírem as condições para a terem

Como consequência desta visão, duas outras situações apareciam que eram mais facilmente perceptíveis por qualquer um:

1.1 – A liberdade que a visão pretendia só poderia ser aplicada num mundo perfeito. E como o mundo não é perfeito, as restrições (DRM) apareciam: para a existência de tais liberdades, as pessoas não iriam possuir os jogo que compravam, mas apenas o direito de os jogar. A venda desses direitos eram igualmente complexa, e nesse mundo digital o tradicional mercado de usados iria sofrer, sendo que os direitos sobre o jogo só poderiam ser vendidos em lojas que estivessem associadas à plataforma Azure da Microsoft, com o preço de venda a ser fixado pelo fabricante do jogo que poderia ter direito a uma parte da receita gerada. Para além do mais, de forma a controlar todo o sistema, a consola requeria ligação constante à internet, recusando-se a funcionar sem a existência da mesma, e impedindo assim o seu uso, mesmo que por períodos superiores a 24h, em locais sem internet.



1.2 – Uma consola com uma ideologia obrigatória de estar sempre ligada à rede eléctrica e  internet, comunicando constantemente com um sistema video com as capacidades do Kinect que é capaz de reconhecer as pessoas que estão presentes, levantava sérias questões de privacidade.

Estes pontos foram alertados repetidas vezes, quer pela PCManias, quer por milhares de outros websites pelo mundo fora como sérias desvantagens da Xbox One. E milhares de possíveis utilizadores da consola revoltaram-se com a implementação de um sistema que para a maior parte deles se revelava mais desvantajoso do que vantajoso. Mas a Microsoft sempre defendeu a sua visão! Afinal tratava-se de algo que tinha estudado nos quatro anos de desenvolvimento da consola, e como tal certamente apoiado em estudos e não apenas algo saído da cabeça de algum visionário geek que associa o mundo à realidade das grandes cidades Americanas e do Campus da Microsoft e que viu ali uma forma de potencialmente controlar a pirataria na consola.

O primeiro recuo

Os dois pontos referidos eram de tal forma evidentes que toda a comunidade gamer mostrou uma união sem precedentes, e revoltou-se contra um conceito demasiadamente prematuro e onde desvantagens acabavam por ser maiores do que as vantagens para a maior parte das pessoas. E como tal, a consola não foi bem aceite, e as pessoas votaram com a carteira ao boicotar as pré-reservas da Xbox One.

Desta forma uma enorme onda de contestação levantou-se em torno da consola. As restrições eram Dracónicas, e os ganhos, para a maior parte das pessoas, marginais: A Microsoft havia condenado a sua consola ao impor uma visão do futuro tão radicalmente diferente e prematura, deixando a clara ideia que o mesmo foi implementado apenas porque a empresa queria uma mão firme sobre a consola e o controlo do seu uso, independentemente das consequências, que no entanto não esperava serem tão grandes. E fosse ou não essa a ideia, certamente era a que passava.



A união e boicote à consola era um claro não ao DRM que apenas aqueles mais fanáticos e privilegiados por viverem em zonas onde poderiam usufruir de todas as vantagens de tal sistema, defendiam. Isto claro… sem pensar nos outros, um dos grandes males da actual sociedade!

Com questionários a mostrarem mais de 80% de preferência para a consola concorrente, e queixas diárias sobre este tipo de DRM, a Microsoft resolve fazer algo que apesar de bem vindo não deixa de ser incompreensível. A empresa desiste da obrigatoriedade da ligação permanente à internet, matando de vez todas as tão apregoadas vantagens do seu sistema como a garantia da existência de internet, o Cloud Computing e a partilha/acesso remoto dos jogos, tornando o seu uso opcional.

A Microsoft destruía assim parcialmente a sua visão de futuro ao aperceber-se que a sua consola cairia na desgraça se a implementasse. Opta assim por eliminar características que seriam standard da sua consola a favor das vendas, eliminando as queixas associadas ao ponto 1.1.

Diga-se porém que o problema aqui não é o facto de a Microsoft se adaptar à realidade, pois isso a comunidade Gamer, no seu global, agradeceu. O que choca é o não ter pensado que isso seria o que aconteceria, algo que num gigante como a Microsoft é imperdoável e incompreensível. Poderia-se mesmo dizer que se tratou de incompetência pura, mas o certo é que a proposta original da Microsoft só poderia partir de uma empresa onde os sues funcionários vivem desfasados da realidade que é o mundo, estando tão embrenhados na tecnologia existente no Campus da Microsoft e nas zonas onde vivem que se esquecem que isso não é a realidade global… mas apenas de uma ínfima parte dele. E curiosamente, vindo de uma das maiores empresas de tecnologia do planeta, a sua ideologia parecia ter-se esquecido disso.

Mas mais ainda, a Microsoft transmitia a ideia de que, porque ofereceria jogos às pessoas, poderia implementar o que bem quisesse. O cliente adequar-se-ia à sua tecnologia em vez da tecnologia se adequar a ele. Ora com uma grande revolta e a constatação de que quando a concorrência fez exactamente o contrário se deu extremamente bem, a Microsoft tremeu.



Seja como for a alteração foi bem vista. A Microsoft adaptou-se à realidade das coisas. Fê-lo porque se sentiu bastante prejudicada e não porque quisesse, mas para o cliente isso acaba por ser irrelevante. Foi pena é tê-lo feito depois de a comunidade começar a desinteressar-se pela consola prejudicando assim a mesma pela resposta tardia.

O novo recuo

Eis então que surge o escândalo da NSA associado ao PRISM com as revelações de Edward Snowden, e o mundo entra em paranóia com a revelação de que a privacidade digital… é uma falácia, e que afinal nem sequer existe. E curiosamente a encabeçar todo o escândalo, quem surge? A Microsoft! A empresa que mais colaborou com a NSA não é outra que a mesma fabricante do Kinect que tantas preocupações de privacidade levantava.

Mas o pior para a Microsoft é a consciência deixada por centenas de analistas e programadores, bem como pelos números brutos do hardware, de que o seu produto é inferior, mas mesmo assim mais caro. Ora com o Kinect a ser obrigatório tal não permite à empresa descer o custo da consola, e dado que  a concorrência não força o seu equivalente ao Kinect na venda da sua consola, conseguindo assim um preço mais competitivo, a Microsoft resolve abdicar do pouco que restava da sua visão.

Aproveitando para fazer boa figura face à actual polémica da privacidade,  e usando a mesma como desculpa, a Microsoft avança então com uma nova medida: O Kinect deixa de ser obrigatório, e pode agora ser desligado fisicamente da consola. É o fim das queixas do ponto 1.2.



Uma boa medida?… Algo que deveria ter sido sempre assim? Um Kinect de uso facultativo e apenas para quem o quiser? Uma medida da Microsoft porque se preocupa com o cliente?

As razões da Microsoft e o fim de uma visão

Bem, na realidade a medida, por muito boa que possa ser (e é), não foi realizada, mais uma vez, a pensar no cliente. Dadas as análises e estatísticas que pudemos analisar e que inclusive publicamos aqui, é nossa crença absoluta que a medida foi feita para aumentar as vendas da Xbox One e permitir uma consola que possa concorrer com a PS4 a nível de preço, provavelmente até no lançamento, onde uma versão sem Kinect deverá existir.

Apesar de não criticável, pois as empresas existem para fazer dinheiro, a questão aqui é que com estas duas medidas que dão uma volta de 180 no conceito originalmente apresentado, o que resta da visão inicial da Xbox One?

A nível de oferta Xbox One e PS4 estão agora mais semelhantes do que nunca, mas os pontos únicos que forçosamente distinguiam as consolas sumiram-se. O que resta? Duas consolas semelhantes, onde uma é tecnicamente inferior à outra e qualquer diferença adicional deixou de ser uma realidade factual e constante para passar a ser apenas pontual e/ou opcional.



A visão da Microsoft para  Xbox One desmoronou-se ao tornar opcional aquilo que seria forçosamente obrigatório.  E a sua consola não é claramente melhor que a PS4 é porque o Kinect nunca foi visto como um extra e a consola foi desenvolvida com o custo do conjunto consola+kinect em mente. Se o Kinect fosse pensado desde sempre como algo avulso, a Xbox One estaria provavelmente bem acima da PS4.

Ou seja, estes recuos pecaram claramente por tardios.

A jogada por trás deste segundo recuo

Parece claro que a Microsoft possui a clara consciência que a actual Xbox pouco ou nada possui de equivalente à sua visão inicial para a mesma. Mas ter uma consola inferior a um preço superior era algo que não podia ser, e a realidade é que o custo do hardware não deverá descer de forma significativa no primeiro ano o que seria um forte entrave à Xbox. Assim a Microsoft faz esta jogada de forma a apostar na diferenciação pelo preço colocando a sua Xbox One mais barata que a PS4. Esta é uma situação não anunciada, mas previsível quanto mais não seja pelo facto que se tal não acontecesse as pessoas estavam obrigadas a pagar por um periférico caro e de uso opcional, algo que certamente não agradaria a ninguém e enterraria a Xbox One de vez.

A questão é saber qual será a diferença de preço e se esta compensará face à diferença na performance. Mas mais ainda coloca-se a questão da confiança do mercado numa empresa que muda as especificações dos seus produtos conforme a direcção do vento. O certo é que com as alterações a consola não perdeu as capacidades originais, mas a integração Kinect, a interacção constante com a internet e o Cloud Computing tão apregoadas como uma característica intrinseca da Xbox One não passou de uma falácia uma vez que deixou de ser uma realidade para passar a ser uma opção.



E com o arrastar de toda esta situação a Microsoft fez mais mal do que bem à consola.

Conclusão

Pelos motivos errados a Xbox One é agora aquilo que sempre deveria ter sido. A questão é que a consola que existe agora é na realidade uma versão diminuída daquilo que foi prometido. E como já foi referido há que se ter consciência que a Microsoft não cedeu aos pedidos do consumidor, cedeu isso sim à pressão do mercado e à iminência de fracas vendas face à concorrência.

Seja como for, todo este historial acaba por ser como as tangerinas. Adoçam a boca mas não alimentam! Para todos os efeitos uma Xbox One mais barata será preferível ao que existia. E pela primeira vez, caso se confirme a redução de preço a Xbox One enquadrar-se-à onde deveria a nível de preço

O curioso de tudo isto é que a Microsoft tudo fez para se separar da concorrência… mas acaba com uma consola com características idênticas à sua opositora. A concorrência nada alterou do seu produto, a Microsoft regrediu em tudo. Daí a pergunta: Porque raio não fez isto logo de início?



Mas questões à parte, com uma Xbox One a 350 ou mesmo 300 euros, a oferta é certamente atractiva e pode fazer tremer a concorrência. Pena é esta cedência não ter existido mais cedo.



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