Mais um conjunto de atentados violentos varreram os Estados Unidos, e os videojogos aparecem sob fogo como sendo uma das principais causas destas situações. Mas será que efectivamente os videojogos podem ser associados aos estados de espírito que levam a estas situações?
Os videojogos, tal como os filmes com violência explícita, naturalmente expõem regulamente as pessoas a algo que não deveria ser banal. A banalização de algo torna-a mais aceitável, e como tal, é claro que filmes e mesmo videojogos com grande qualidade gráfica banalizam situações que de forma alguma deveriam ser banais.
Mas será que eles levam à violência? Sinceramente, tenho já muitos anos de videojogos em cima, e confesso que não sinto que os videojogos me possam ter alguma vez levado a cometer actos violentos. E isso porque, pura e simplesmente, não os cometo!
Sim, reconheço que por vezes os jogos podem ser frustrantes, que se geram estados de espírito onde a pessoa se enerva e fica enervada com as pessoas que o rodeiam. Mas mais do que isso? Não estou a ver! Uma frustração é uma frustração, e ela advêm não só disso, mas mesmo das coisas normais da vida. Não é um motivo para que aconteçam actos violentos, e muito menos daqueles que se vê nos Estados Unidos, onde se pega numa arma, se vai para a rua, e se desata a matar tudo e todos.
E aqui acabo de tocar num ponto bem relevante… O pegar numa arma e ir para a rua matar tudo e todos!
A questão é… onde está a arma? Não só mesmo que um dia ficasse maluco ao ponto de poder pensar em cometer uma atrocidade dessas, eu não teria uma arma, como a obtenção da mesma não é nada fácil. Não é exactamente chegar ali à loja do lado e pedir uma. Há todo um processo de registo, legislação e de obtenção de licenças de porte de arma que é complexo e regulamentado.
A obtenção de uma licença de uso e porte de arma, mesmo de caça, há um curso, um exame, um licenciamento, e isso para nem falar nas armas de defesa que necessitam de muito mais, e inclusive uma justificação que tem de ser aceite para se a ter.
Sendo-se menor de idade, as armas estão barradas, e mesmo os adultos não podem aceder a qualquer arma. Um revolver, em caso de defesa pessoal, uma caçadeira em caso de arma de caça… mas ficamos por aí. E qualquer arma obtida tem de ser registada na Polícia.
Já nos EUA… com mais de 16 anos e apresentação do BI, qualquer um pode comprar uma arma. As carreiras de tiro são tão banais por lá como os cafés por aqui.
Aliás, se aqui os poucos armeiros que existem apenas vendem um lote muito restrito de armas, nos EUA a coisa não é assim! Numa primeira pesquisa no Google, e entrando no primeiro resultado que encontrei, o que vejo é uma panóplia enorme de armas de guerra disponíveis para qualquer um. Rifles, metralhadoras, armas de sniper, etc. É impressionante!
Onde pretendo chegar é que se torna impossível dizer que são os videojogos os responsáveis pelos crimes violentos, quando na realidade sabemos que o que mata são as armas, e que elas nos EUA estão acessíveis de uma forma muito mais liberal.
O New York Times escreveu mesmo um artigo muito interessante a esse respeito, onde compara as regras de aquisição de armas em 15 paises diferentes. Vamos comparar por exemplo, a Alemanha, a China e os EUA:
Alemanha:
Este é um país Europeu que adopta regras rígidas. Quem mantiver uma arma em casa concorda imediatamente com uma visita não anunciada da polícia à sua residência para garantir que a mesma está guardada em segurança.
- Garantir o cumprimento de pelo menos um destes pontos:
Pertencer a um clube de tiro, obter uma licença de caça demonstrar que se é um coleccionador de armas, ou provar que há uma ameaça à vida. - Torna-se necessário depois demonstrar conhecimento especializado em armas, o que por norma envolve um exame escrito e uma demonstração prática de uso seguro de armas.
- A pessoa necessita de ser maior de idade. Se tem menos de 25 anos precisa ainda de um um certificado de sanidade mental passado por um médico do serviço público.
- Obter um meio de armazenamento seguro para a arma.
- Passar por uma verificação de historial que verifica registo criminal, saude mental e uso de drogas.
- Candidatar-se a uma licença de compra da arma especifica, o que pode mais uma vez resultar numa análise de risco baseada no passado da pessoa.
- Comprar a arma.
China
Neste país, as pessoas são proibidas de ter armas em casa, necessitando de as manter guardadas em carreiras de tiro, locais de caça, ou zonas de pasto.
- Tem de ser estabelecida uma razão específica para se possuir a arma, como por exemplo, caça ou desporto.
- Arranjar um local onde armazenar a armas numa carreia de tiro, um local de caça remoto, ou uma zona de pasto.
- Demonstrar conhecimentos do uso da arma e do seu armazenamento.
- Passar uma verificação ao passado que considera a saude mental, registo criminal e casos de violência doméstica.
- Comprar a arma.
Estados Unidos:
Agora o caso dos EUA.
- Passar uma análise ao passado instantâneo que verifica ligações criminosos, casos de violência e estatuto de imigração.
- Comprar a arma.
Como se vê, o caso dos EUA não é exactamente idêntico aos outros. O acesso ás armas nos EUA está tremendamente facilitado. Tão facilitado que de acordo com um estudo de armas per capita presente no Wikipedia, por cada 100 Americanos existem 120.5 armas…
Sim.. Segundo esse estudo há mais armas do que pessoas nos EUA. É um caso único em todo o mundo!
Como comparação, na Alemanha o número é 19.6 armas por cada 100 habitantes, e na china 3.6 armas por cada 100 habitante.
Estes números apenas dizem respeito a armas legalizadas, não correspondendo à realidade absoluta dos países.
Mas se até agora vimos que nos EUA o número de armas é efectivamente anormal… o que dizer sobre a relação entre os videojogos e os crimes violentos? Será que ela existe efectivamente? Não estaremos com os dados de cima a fugir um pouco à questão?
Na realidade não. E vamos perceber isso quando analisarmos a receita que advêm dos videojogos em cada país, e a comparamos com os crimes violentos que existem.
O gráfico da esquerda mostra a receita gerada pelos videojogos por pessoa em diversos países. O da direita, o número de mortes violentas com armas. E como se percebe não há qualquer relação!
A relação existe isso sim, quando o gráfico da esquerda é trocado pelo número de armas por cada 100 habitantes. Aí sim, que vemos é que quanto mais armas tem o país, mais morte violentas por armas há.
Daí que quando ouço queixas sobre a violência dos videojogos ser a responsável por estes tiroteios e assassinatos nos EUA, a vontade que dá é de rir. Porque na realidade todos sabem qual é o real problema, mas não querem é mexer nele.