Evangelismo é guerra – Um histórico de astroturfing da Microsoft

Evangelismo  – O espalhar de ideologias religiosas políticas ou morais, baseadas no discursos público e testemunhos de terceiros.

O documento Evangelismo é guerra (Link), e cuja leitura detalhada se recomenda vivamente, criado internamente pela Microsoft como um guia de como agir para domínio do mercado é deveras chocante. Trata-se basicamente de um manual de Astroturfing, segundo o qual se seguem várias regras que a Microsoft deve seguir para conseguir dominar os diversos mercados, usando terceiros como peões descartáveis, para conseguir o que pretende, usando como armas o poder monetário, político e jogadas psicológicas.

Um documento que foi distribuído e mesmo aceite e adotado internamente (começa a partir da página 3), teve inclusive seguimento num discurso interno denominado “Power evangelism and relationship evangelism”, onde o evangelista, James Plamondon referiu:

Se já tentaram jogar xadrez apenas com as peças de trás, já experimentaram a derrota.. E isto porque temos de contar com os peões. Eles são fundamentais. Não conseguimos vencer sem eles, e temos de os tratar bem… Não os podemos fazer sentir como sendo peões.

Basicamente a ideia passada num discurso muito mais extenso que as meras linhas de cima, era que os peões que a Microsoft usaria para vencer serão os sacrificados, e quem vai sofrer, mas que eles não se podem sentir assim, e não se podem sentir como peões, mesmo que o sejam de forma clara. –  Fonte

Associando esta frase ao documento linkado acima que lhe deu origem, percebeu-se que esta era uma clara referencia aos criadores externos de software. Nesse sentido, quando estas frases vazaram para conhecimento do público em geral, a Microsoft pediu desculpas aos criadores de software por os citar dessa forma. – Fonte.

Mas se olharmos para a Microsoft atual, vemos que ainda hoje a Microsoft dá a entender manter esta filosofia… Basta olharmos para o que a Microsoft com o Gamepass,um negócio que está a afetar as vendas de toda a industria, usando os criadores como meros peões, para conseguir chegar onde quer, mesmo que as consequências sejam más para esses terceiros.

O caso mais flagrante de aplicação deste evangelismo na história da Microsoft, aconteceu aquando da “morte” do Lotus 1-2-3, uma popular folha de cálculo, e cujo desaparecimento permitiu à Microsoft vender um Excel sem concorrência. Nessa altura a Microsoft fazendo-se de excelente colaboradora, incentivou os programadores do Lotus 1-2-3 a usarem os APIs da Microsoft para melhorarem o seu programa. APIs que internamente a Microsoft já não usava por saberem serem lentos e com elevados consumos de memória!

A situação teve resultados, ao ter criado um enorme fosso de performances entre o Lotus 1-2-3, na altura líder, e o Excel. Algo que beneficiou a Microsoft, e acabou por matar o Lótus 1-2-3.

Num documento revelado posteriormente vimos Brad Silverberg, chefe das equipas de desenvolvimento do Windows que referia “Estaria grato ao ajudar o Lotus a cair numa espiral de morte”, um documento que foi apresentado em tribunal como prova contra a Microsoft pelas suas más práticas e costumes.

Mas no entanto, quer neste caso, quer em outros, para que os peões não se sintam peões, é preciso que a imagem de que são peões não passe, e é aí que entram em força as campanhas de astroturfing.

A Microsoft sempre esteve associada ao Astroturfing, a prática enganadora de apresentar um marketing orquestrado e uma campanha de relações pública disfarçada de comentários não solicitados vindos de membros do público.

O termo astroturfing deriva de AstroTurf, uma marca de relva sintética projetada para dar a aparência de um relvado natural. Ou seja, um logro que tenta passar por algo natural. E a ideia aqui é mesmo essa: Fazer o orquestrado soar a natural e vindo do público.

Os casos de Astroturfing na Microsoft são tantos que se lhes perde a conta! Crê-se que o primeiro caso relatado data de 2001, quando a empresa, na altura em tribunal, convenceu os seus utilizadores a enviar cartas para o procurador geral falando do caso em que estava envolvida, para o tentar convencer a desistir do caso como se essa fosse a real vontade do público. De acordo com LA Times da altura, duas das cartas enviadas eram assinadas por pessoas já falecidas. – Fonte

Em 2002 a Microsoft volta à carga com o astroturfing, e faz uma campanha onde mostrava relatos de pessoas que mudaram de MAC para PC e que estavam muito satisfeitas. Foi depois mostrado que essas pessoas na realidade tinham sido pagas para dizer aquilo, não havendo assim qualquer veracidade no relatado! – Fonte

Em 2006 a Microsoft pagava viagens e oferecia portáteis aos bloguers de forma a cair nas suas boas graças e obter assim promoção gratuita com estes pagamentos indiretos. A coisa funcionava porém em dois sentidos, pois caso a situação fosse descoberta a credibilidade dos blogues ficaria em causa, o que acabava igualmente por ser vantajoso para a Microsoft uma vez que não eram os seus produtos os mais referidos neles, e era por isso mesmo que os aliciava. –  Fonte

Em 2014 as práticas continuam, com provas que a Microsoft a pagava a bloguers para dizerem bem do IE como se tal fosse dito de forma natural e espontânea por um utilizador satisfeito com o browser. – fonte

Já no campo das consolas e bem mais recente, a Microsoft pagou ao conhecido canal Machinima para promover a Xbox. Não que haja mal em se publicitar o seu produto, mas a publicidade aqui era feita como se fosse espontânea e voluntariosa por youtubers satisfeitos, quando na realidade… era paga! – Fonte.

Percebemos que o de cima pode, sem grande análise, parecer algo inofensivo, mas é o que se chama de astroturfing. São comentários solicitados e não espontâneos que não refletem opinião sincera. Basicamente algo pago e não anunciado como tal. Ou seja, publicidade enganadora e paga transmitida como se fossem relatos sinceros de terceiros!

Estas táticas são usadas ainda hoje… Youtubers como Tim Dog, Colteastwood e muitos mais, são astroturfers, pagos pela Microsoft para darem uma suposta opinião neutra, que na realidade de neutra esta tem muito pouco.

A situação arrasta-se depois a mais pessoas, desde developers, a jornalistas. Tom Warren é um dos casos mais conhecidos, ao ser reporter da Verge, e um fanático Xbox inveterado, que para além de dar sempre boas opiniões sobre a Xbox, ainda faz igualmente o oposto para o outro lado, tentando-o deitar sempre para baixo.

Inclusive agora no caso da FTC contra a Microsoft, vários astroturfers comentaram o julgamento sempre numa perspetiva favorável à Microsoft. O caso mais flagrante é mesmo o de Florian Mueller, que publicamente não admite estar sob pagamento da Microsoft, mas que é reconhecido publicamente por ser um alguém a soldo para promoção de campanhas, que usa os produtos da Microsoft de forma extensa, promovendo-os. Ele recusa confirmar que não é pago pela Microsoft, e refere mesmo estar contra a aquisição da Activision. No entanto também refere que é contra as patentes de software, mas faz lóbis a favor delas, sendo que no caso da FTC contra a Microsoft. ele sempre defendeu a Microsoft, bombardeando os jornalistas que analisaram o processo com informação favorável à mesma.

Como consequência os posts deste senhor estão banidos da maior parte dos grandes fóruns na internet.

Curiosamente os argumentos da Microsoft contra a FTC foram muito semelhantes aos que foram usados no caso Estados Unidos vs Microsoft, sobre o IE estar oferecido gratuitamente no Windows, o que prejudicava a concorrência.

Nessa altura a argumentação da Microsoft foi que a integração do IE no Windows era o resultado de inovação e que por questões competitivas precisava do mesmo. Argumentava ainda que tal era uma enorme benesse para milhões de consumidores que teriam assim o IE gratuitamente. Escusado será dizer, por ser já história, que nessa altura, estes argumentos não colaram, o que não aconteceu aqui, mas veem a semelhança?

O astroturfing não acabou… e está mais vivo do que nunca, particularmente agora que a chamada “guerra das consolas”, um termo não literal, passou a ser uma guerra efetiva.

Basicamente o documento torna-se claro quando refere que as grandes armas da Microsoft são Psicológicas, monetárias e políticas. Psicológicas ao usar os influenciadores para fazerem o trabalho promocional por si, e influenciarem as ideias de quem os ouve a favor da Microsoft. Financeiras porque estas pessoas são pagas e não agem de livre iniciativa, e políticas pois os seus lóbis são fortes e possuem real poder a ajudar naquilo que são os interesses da política.

Será ainda de referir que o termo Evangelização usado no documento tem ramificações profundas, pois nos procedimentos do evangelismo temos:

1. Evitar pregar receios; pregar amor

E a Microsoft refere sempre que atua em defesa dos interesses maiores dos consumidores, que só tem a ganhar com as suas atitudes.

2. Evitar pregar as noticias de hoje: pregar as boas notícias do reino

Basicamente desviar os assuntos daquilo que é relevante colocando outras situações relacionadas em evidencia de forma a se desviar atenções.

NOTA: O conteúdo de todo este artigo é fatual.