Quando o Free-to-play não é mais do que um Pay-to-win que não é mais do que um Pay-to-make-us-rich.
A actual geração está a aquecer, e de que maneira, mas enquanto não entramos num Natal que se avizinha memorável, ainda há tempo para jogar aquele punhado de jogos da anterior geração que simplesmente não vou querer perder, mesmo que venha a ter algum desgosto amoroso.
Nos últimos meses, tenho frequentemente voltado ás minhas consolas ‘’old gen’’ pois apesar de ter imensos jogos para jogar na actual ‘’gen’’, ainda existem muitos jogos dos quais eu quero usufruir, e um deles é a conclusão da trilogia de um dos IP’s que mais gostei na geração passada, Dead Space. O primeiro Dead Space (DS), foi uma agradável surpresa: Surgiu numa época em que o género ‘’Survival Horror’’ estava praticamente extinto no mundo ‘’AAA’’, foi um jogo que conseguiu a proeza de, não só ir buscar influências a várias referências do género, e inspirou-se em lendas cinematográficas, forjando uma identidade própria.
DS foi um jogo que me arrebatou do inicio ao fim! Parecia que Resident Evil 4 e a saga Aliens se tinham juntado, sendo DS o fruto do seu amor. Logo foi com ansiedade que aguardei pela sequela, que apesar de manter o charme do antecessor, optou por um maior foco na historia. Eventualmente DS3 foi lançado, mas por alguma razão, tinha perdido o interesse na série, e o motivo era que a Visceral (produtora do jogo), queria apostar um pouco mais na acção, sacrificando um pouco o horror que caracterizava a série, o que, aliado a vários jogos por jogar na mesma altura, me fez afastar do jogo. Mas como não gosto de deixar nada pendurado, passados quase dois anos, aproveitei uma promoção na PlayStation Store e acabei por comprá-lo. O jogo de facto começa de uma forma muito ‘’militar’’, mas cedo volta ao velho DS que adoro, mas por ironia do destino, neste momento não me apetece concluir o DS3, e consequentemente a trilogia!
O motivo? As microtransações.
No decorrer da anterior geração, surgiu um modelo de negócio oriundo dos jogos para smartphones e tablets, que se tornou muito popular devido ao seu conceito inovador e que todos nós conhecemos como ‘’free-to-play’’. 0 modelo opta por apelar à boa vontade do jogador para suportar o jogo por intermédio de microtransações de modo a colmatar a falta de pagamento inicial, ao contrário do típico modelo tradicional. A ideia em si era promissora e com enorme potencial, no entanto algumas pessoas começaram a notar, neste caso, as pessoas erradas, mais propriamente, a industria ”AAA” começou a notar, e cedo atacaram a ideia como um parasita, ao ponto de a distorcerem tanto que o modelo ”free-to-play” se transformou em mais um dos muitos esquemas económicos que poluem atualmente a industria dos videojogos.
Não demorou muito até que o modelo ‘’fremium’’ dos jogos ”free-to-play”, se alojasse em jogos que não são ”free-to-play” e que ostentam a etiqueta de ‘’Full price’’, como o DS3. Basicamente o jogo, que custa 70€, introduz um sistema de ‘’crafting’’ que é explorado por microtransações, com recurso a dinheiro real, e isto é algo cada vez mais comum, só que em vez de lhes chamar ”free-to-play” porque tenho de facto que os comprar, logo o ‘’free’’ deixa de fazer sentido, chamo-lhe ‘’pay-to-win’’, um jogo que eu compro, para depois gastar mais dinheiro, e isso é detestável, e pode arruinar um jogo. No entanto, pode-se argumentar que a pratica é opcional, e na superfície, é.
Jogar um jogo ”freemium”, é o mesmo que ter a serpente de Satanás enrolada à volta do pescoço, enquanto nos murmura tentações ao ouvido, e se alguém se convencer que é opcional e pode ser ignorado, logo que não o afeta, então está a cair na armadilha do ‘’Diabo’’.
Cobrar ‘’full price’’ por um jogo que não está projetado para uma experiência de entretenimento, mas sim para nos aliciar para melhores experiências de entretenimento, ao mesmo tempo que nos tenta vergar psicologicamente até à submissão, é no mínimo muito pouco correcto, atrever-me-ia mesmo a dizer que chega a ser desonesto, mas apesar de gostar imenso do DS3, considero-o o pior jogo de uma saga que finalizou da pior maneira devido a estas práticas, preferindo penhorar a sua imersão à custa de lembretes constantes para comprar-mos coisas, introduzindo um sistema de ‘’crafting’’ não para nosso proveito, mas para servir de desculpa para este esquema, para esgueirar microtransações pela porta das traseiras de um jogo crivado de cinismo.
Mas o que mais me entristece, é constatar a enorme fatia de ‘’gamers’’ que se deixa levar pela cantiga, mordendo o isco corporativo de uma EA, que se defende com o argumento tosco, de que as microtransações nos seus jogos, (não é só DS3 que as tem) existem para dar opções a quem tem menos tempo para jogar, chegando mesmo a gerar um sentimento de gratidão pela forma como a empresa ‘’facilita a progressão in-game’’ oferecendo-nos a liberdade de escolha, o livre arbítrio.
Deus abençoe a EA, que nos livra das nossas correntes e nos deixa desfrutar de seu fruto à nossa maneira, e ignoramos o facto de que a EA criou o problema e vendeu-nos a solução. Ignoramos também que a EA nunca nos deu a opção de jogarmos ao jogo sem uma economia ”fremium” e ignoramos igualmente que tudo isto não passa de uma neblina de treta. Graças a Deus (e à EA) que agora podemos desbloquear tudo mais rapidamente, uma atitude que ignora por completo o facto de que o tempo necessário para ganhar qualquer coisa, é pensado pelos criadores do jogo, que é desenhado com as microtransações em mente.
O design de um videojogo não acontece por acidente, não é como que uma força da natureza que torna o desbloqueio de ‘’items’’ um tédio e que absorve o nosso tempo, é na realidade, um dos truques psicológicos mais básicos do ”free-to-play”, e está presente num jogo que não é ”free-to-play”, a bater nos portões da nossa paciência até abrir-mos a carteira. Mas há quem ache que devemos estar gratos pela EA nos resolver um problema que a própria EA inventou, de forma a nos vender a solução ás migalhas, e em ponto algum, ocorre a estes advogados do ”Diabo”, que estes jogos são desenhados com um calculismo frio para desperdiçar tempo, usando o discurso cínico da liberdade de escolha, ao mesmo tempo que se congratula com a gratidão de quem andam a enganar, atitude que eu desprezo, e por isso, não, nunca, jamais irei mostrar gratidão para com este tipo de logro, e no entanto, o que não falta por ai é gente a bajular estas empresas que nos criam os seus próprios problemas.
Imagina que querias construir uma casa! Ficarias grato se em vez de tijolos, o construtor, tal como acontece em algumas tribos de África, usasse montes de estrume, oferecendo-se para, livre de despesas, borrifar Chanel N5 nas tuas paredes uma vez por semana?
Não ,é claro que não iam querer que se tivesse usado tijolos em vez de estrume na casa, até porque de qualquer forma, a EA ia cobrar-se pelo Chanel…
Por favor não fiquem gratos quando alguém vos constrói uma casa à base de estrume e lhe borrifa perfume, não fiquem gratos quando alguém diz que nos espeta uma faca na mão quando nos podia esfaquear no pescoço. Não devemos nada a quem engenha problemas propositadamente, oferecendo soluções igualmente propositadas para beneficio próprio em vez do consumidor, porque é com isso que eles estão a contar, que sejas estúpido, e que lhes dês a tua bênção.