Introdução
Quando olho para o estado actual da industria dos videojogos (e será nessa vertente que abordarei o artigo) cada vez mais me convenço que, ao que tudo indica, houve aqui uma alteração radical de realidades.
Inicialmente criou-se um produto, o videojogo, que o cliente adorou e procurou mais. E a industria viu o que o cliente queria, e deu-lhe.
E essa realidade manteve-se durante anos. A indústria via o que o consumidor queria e dava ao mesmo o produto desejado. E isso levou à criação de uma indústria que, apesar de inicialmente rejeitada por muitos e até vista com maus olhos por alguns, se tornou em algo que move anualmente muitos milhões de euros, e chegou mesmo a ultrapassar a industria do cinema.
O problema é que quando o dinheiro gerado pela industria começou a se tornar muito, a situação começou a mudar. E então, em vez de ser a industria a dar ao cliente o que ele queria, passou a ser esta a ditar as leis e a decidir o que o cliente deveria levar e como levar.
Basicamente, na ânsia de proteger as receitas e os investimentos, a industria passou a ditar as leis. E com isso a industria dos videojogos poderá estar condenada, não digo a uma morte, mas a uma alteração radical onde sem dúvida o consumidor passa a perder face ao que tinha.
Tendo começado a jogar num fabuloso ZX-81 com 1 KB de RAM e onde os jogos eram escritos por nós mesmos em código do género do de baixo, apercebo-me dessa situação:
10 Print “Afundar o submarino”
20 A=INT(RND*7)
30 For R=1 to 40
40 Print at R,0 “~”
45 Next R
50 Print at A*5,0 “<=U=>”
60 Print at 0,0 “»»”
70 Input “Introduza potência do disparo de 0 a 8”; b
80 If B>A then Print at 10,10 “O tiro passou o alvo”
90 if B<A then Print at 10,10 “O tiro ficou aquém do alvo”
100 IF B=A then Print “Parabéns… Acertou no alvo e frustrou os planos inimigos”
110 if B=A then Goto 130
120 Goto 70
130 End
Peço desculpas pelo devaneio do código, mas foi até bom recordar estes tempos. E quem entender o que ali está poderá recordar um simples joguinho que se fazia nessa altura :).
Esta introdução apenas para que se perceba que, ao contrário de outras gerações, tive a oportunidade de crescer com os videojogos. De os ver expandir para aquilo que a indústria é hoje. Pode-se dizer que ao contrário de muitas pessoas, ver um jogo com o grafismo actual é para mim algo que me dá a percepção daquilo que realmente os computadores evoluíram, dando assim o devido valor à coisa. E isto ao contrário de muitos que já nasceram com essa realidade no seu dia a dia.
Ora a industria efectivamente evoluiu, e muito. E algo que sempre foi uma realidade, os jogos físicos, está a agora a querer ser alterado para a distribuição digital. E ele é visto sob várias formas, seja pela venda apenas digital da totalidade do produto, seja pela forma de conteúdos de download, seja pela forma de conteúdo pago para evolução no jogo. E ao contrário de muitas pessoas que se deixam levar pela corrente, eu olho para tudo isto como algo que não está a ser bom para o jogador. E este artigo pretende mostrar a forma como vejo a coisa e como acho que isso está a danificar a indústria.
O Futuro
O conteúdo digital está a ser algo cada vez mais comum. E ainda recentemente com esta nova geração de consolas vimos a Microsoft a querer lançar um produto completamente dependente deste tipo de distribuição.
É, segundo dizem, o futuro, e isso é-nos repetido até à exaustão, talvez na esperança que algo repetido dessa forma se torne melhor aceite como uma verdade absoluta. E fazem ver as vantagens, teóricas, de tal situação que permite com um simples clique de um botão e a apresentação de um cartão de crédito obter um jogo em minutos sem sair de casa e sem ter de correr o terrível disco de o DVD/BD um dia se riscar. Da mesma forma dado que não existem ganhos de terceiros, custos de produção e distribuição, os jogos seriam mais baratos e todo o lucro vai directamente para os produtores.
É pelo menos o que nos garantem, mas infelizmente não consigo ver isso, e o que os meus olhos vêem quando pesquisam os jogos nas lojas digitais é um jogo que, ao contrário, por exemplo, das musicas, é vendido maioritariamente ao mesmo preço da versão física. Mas quem sabe os meus olhos são diferentes dos das outras pessoas? Ou será que alguém anda a meter dinheiro ao bolso com a distribuição digital?
Depois temos os conteúdos de download. Formas de se continuar a evoluir mundos, mas que na realidade acabam por não ser expansões nenhumas, mas sim mais do mesmo jogo, pago à parte. Não digo que isso seja uma coisa má, mas prefiro falar disso mais tarde.
O facto é que a distribuição digital está aí! E particularmente no que toca à distribuição de conteúdo áudio de vídeo, está bastante implementada no mercado com serviços como os videoclubes dos ISPs, Netflix ou o iTunes ou os eBooks (as percentagens variam de país para país).
A distribuição digital batalha com a distribuição tradicional e está, justificadamente a ganhar o seu espaço nestes campos. E desta forma não será difícil de acreditar que será efectivamente o futuro quando vemos o sucesso que alguns destes serviços estão a ter.
Curiosamente, não posso deixar de comentar a relação existente entre o anuncio do serviço Playstation Now de jogos por Streaming e a queda das acções da Gamestop, uma das maiores cadeias de venda de videojogos no formato físico a nível mundial. E até há quem diga que esta geração de consolas será a última devido a serviços como esse! E sinceramente se isso acontecer… entristece-me pelos motivos que penso irei conseguir explanar neste artigo.
No entanto, antes de avançar mais, convêm desde já esclarecer que não sou contra a distribuição digital. Pelo contrário, acho que quando devidamente aplicada é uma grande inovação e que certamente está inclusive a criar novos negócios e empregos, e há inclusive casos de pequenas equipas de programadores, pequenos grupos musicais e mesmo entusiastas de cinema que podem com este método distribuir os seus produtos que de outra forma dificilmente, e pelo grande encargo inerente à forma tradicional de distribuição, seria impossível de serem colocados no mercado.
Da mesma forma entendo que haja quem discorda da minha maneira de ver as coisas. Muitos dos motivos que me levam a não gostar da distribuição digital são mera preferência. Por exemplo, eu gosto e sempre gostei de ter uma cópia física de tudo o que adquiro. Gosto de olhar para a caixa enquanto não posso jogar o jogo, de ver a arte gráfica que a adorna, de ver as imagens do jogo, de ler o manual (quando ele é mais do que uma simples folha com os alertas obrigatórios por lei), e das várias quinquilharias que por vezes são fornecidas com os jogos como autocolantes, posters, ou até camisolas, figuras, etc etc que existem nas edições especiais.
E entre pagar mais para ter uma t-shirt ou uma pen drive alusiva ao jogo ou pagar mais para entrar primeiro nos servidores e como acontece com o pacote Premium de Battlefield 4, até acho essa alternativa um insulto a todos os restantes compradores do produto.
Mas a questão é que o tipo de ofertas das versões físicas não podem existir nunca nas versões digitais, e isto independentemente de haverem pessoas mais novas que olhem para a Internet como algo indispensável e achem este tipo de aversão algo estranho. Mas sim, há quem não goste de colocar o cartão de crédito na Internet, e não goste de introduzir dados pessoais em todas as bases de dados que aparecem. São pessoas que sabem o que é a privacidade, algo que pessoas que mandam SMS ou postam no facebook ou twitter acontecimentos importantes como “ir à casa de banho” poderão ter dificuldade em perceber.
Mas pior do que isso, a distribuição digital é uma situação que, pelo menos para já, é ainda egocêntrica, tomando como realidade mundial a sua realidade. E isso não é uma verdade por muito que gostássemos que fosse, com muitas partes do planeta, e mesmo de países industrializados a não terem acesso à Internet de banda larga, ou pelo menos a ligações com qualidade digna desse nome.
Seja como for é quase irrelevante estar a discutir isso aqui, basta dizer que HÁ parte da comunidade Gamer que prefere o conteúdo físico ao digital, e essas pessoas possuem os mesmos direitos que as outras e na sua maioria fazem parte da faixa etária que trouxe a industria até onde ela está hoje.
Depois há, claro a questão dos jogos usados. A distribuição digital não permite ainda a venda dos mesmos de forma simples e clara. Há aliás guerras em tribunal sobre a posse de conteúdos digitais, sendo talvez a mais conhecida a queixa de Bruce Willis contra a Apple no sentido de garantir que a sua colecção de musicas pode passar para os seus filhos quando falecer.
Mas no que toca aos usados a distribuição digital é uma mina para os criadores de software. Estes sempre se opuseram aos mercados de usados por alegarem que estes lhes roubavam muitas vendas, e a distribuição digital, seja impedindo a venda de usados ou permitindo a mesma sob controlo e com participação nos lucros das vendas é em qualquer dos casos algo onde os produtores ficam a ganhar, ou pelo menos assim acham.
Pessoalmente, coleccionando e tendo ainda em plena funcionalidade várias consolas e computadores antigos, a minha colecção de jogos é algo que prezo. E podemos ver pelo PC que apesar de a máquina ainda existir, as evoluções no seu hardware e software quebraram a compatibilidade com as versões antigas destes computadores que agora não podem correr de forma directa versões antigas do software, e mais dificilmente emular o hardware da altura, particularmente as placas de som. E apesar de grandes jogos que se arranjam por aí, onde é que legalmente quem possui os originais fazer o download dos mesmos? Na realidade… em lado nenhum pois independentemente de ter os originais ou não, o download destes jogos ainda é considerado ilegal.
Ora num jogo lançado digitalmente ninguém pode esperar que este esteja para sempre disponível online. Mas mais ainda a já referida evolução do hardware e software vai quebrar compatibilidades que impedirão os jogos de serem instalados, mesmo que seja possível fazer o download. E assim sendo o jogo desaparecerá.
Mas com a distribuição digital desaparecerá igualmente o empréstimo de jogos a amigos, a compra de um jogo barato e antigo que na altura passou mas que agora não justifica face à nova oferta ser pago pelo preço ainda pedido, ou mesmo a venda de jogos que acabamos e não nos interessaram particularmente.
Usando uma analogia, a adesão à distribuição digital é o colocar de todos os ovos no mesmo cesto. Falhas no vosso sistema de armazenamento forçarão à nova descarga do software e este certamente não estará para sempre disponível para download. Alguém acredita que caso essa falha ocorra daqui a 10 anos, todos os jogos pagos irão estar lá para download? Aliás, particularmente nas consolas não temos espaço de armazenamento para guardar tudo o que se compra, pelo que as coisas terão de ser descarregadas na base em que são precisas. Ou seja, o que é efectivamente armazenado do nosso lado é apenas parte do que adquirimos, ficando dependente de terceiros para o resto, e mesmo que as empresas sejam eternas, as políticas não são, as pessoas não são, a gestão não é, as políticas não são, o estado da economia é mutável, e as situações alteram-se. E como tal ficamos dependentes da boa vontade de terceiros e sem verdadeiro controlo sobre aquilo que é nosso.
Já na parte física da coisa, uma situação é mostrar a um amigo que nos visita a consola antiga e todas as caixinhas com todos os jogos que temos para ela, outra é mostrar a consola e dizer que temos muitos jogos lá no disco.
Mas pior do que isso, os jogos distribuídos digitalmente implementam formas de controlo anti pirataria (DRM) que necessitam de ligação à Internet. Uma evolução dos protocolos, no formato de IPs, ou outra situação igualmente catastrófica, Seria o suficiente para deitar a perder toda a possibilidade de estes jogos alguma vez voltarem a funcionar.
Mas vamos ao conteúdo adicional por Download, basicamente uma forma de distribuição digital que não altera a realidade do núcleo do produto, mas apenas os seus extras.
Esta situação é radicalmente diferente uma vez que afecta o cliente de outras formas. Mas basicamente se nos primórdios do aparecimento destes extras uma pessoa comprava um jogo e depois lhe adicionava conteúdo extra, esse conteúdo eram coisas efectivamente novas: Novos níveis, novas armas, novas personagens, e até novas formas de jogar.
Apesar de essa realidade, felizmente, ainda se manter até aos dias de hoje, ao longo dos tempos apareceram variantes que são frustrantes. Algum conteúdo por download basicamente limita-se a aproveitar toda a estrutura geral do jogo, acrescentando apenas mais do mesmo. Mas já no que toca a inovação pouco ou nada existe. Há casos até mais chocantes como PES ou Fifa que basicamente vendem o mesmo jogo ano após ano, apenas com as alterações estéticas suficientes para passarem por inovações. E casos como Call of Duty que re-aproveita anualmente modelos, mapas e animações, apenas mudando a estética o suficiente para que pareçam diferentes.
Mas o grande problema do DLC é o modelo mais recente que está a ser usado. Mais do que tolerar a ganância do corporativismo das grandes empresas, os novos modelos de DLC até o encorajam e alimentam. E infelizmente há quem alinhe nesses modelos.
Skins para armas, roupas para a personagem, alteração de um cão para um lobo, etc, são conteúdos completamente inúteis e meramente estéticos que rendem milhões às empresas.
Talvez um dos conteúdos mais polémicos sejam os mapas multi-jogador vendidos em DLC. São efectivamente novos mapas, mas curiosamente quem os paga até se pode arrepender de tal. É que estes mapas para serem jogados requerem que haja online outros jogadores com o mesmo mapa, ou seja, outros pagantes do mesmo DLC. Quer isso dizer que a base de utilizadores do jogo se revela basicamente inútil uma vez que para aquele novo conteúdo interessa o número de pessoas que também o possuem. E podemos cair no ridículo que um jogo ter vários milhões de pessoas online e alguém querer jogar um mapa novo que adquiriu por DLC e não ter ninguém com quem o fazer devido a fraca adesão a esse sub-produto.
Mas mais consensualmente, as situações mais polémicas relacionadas com os DLC são aqueles conteúdos que claramente foram retirados do jogo original. E que depois, de forma descarada, ainda são vendidos como DLC de dia 1, ou seja lançados juntamente com o jogo. Isto não só se revela um corte ao jogo original, como uma forma algo escandalosa de se obter dinheiro adicional numa venda que não deveria existir.
Essa situação aconteceu recentemente com Mass Effect 3, onde o DLC de dia um era escandalosamente ripado do jogo original. Aliás vários jogadores analisaram os ficheiros do jogo original e descobriram nele modelos e texturas que apenas deveriam existir na expansão, e que podiam activar e mesmo jogar com eles, comprovando assim que aquele conteúdo foi retirado do jogo original para se obter algum extra na venda paralela.
No entanto há casos ainda piores. Conteúdos pagos à parte e obtidos por DLC que na realidade já se encontram presentes desde sempre no DVD/BD originalmente pago.
Casos destes são às dezenas, e basicamente a compra do adicional nada acrescenta ao jogo, limitando-se a desbloquear algo que já estava no jogo, mas à qual o jogador não tinha acesso. Basicamente um pagar duas vezes pela mesma coisa.
Conclusão
Este artigo basicamente mostra uma imagem pessoal que existe sobre o actual estado da distribuição digital. Não sou contra a mesma e utilizo serviços como a PSN, Xbox Live, Steam e a App Store Apple, onde em todos compro jogos. Mas não deixo de ser sincero quando digo que não são serviços a que dê preferência. Uso-os quando os negócios são bons e nesse aspecto já lá consegui boas compras. Não deixo porém de questionar sobre o futuro desses conteúdos a longo prazo.
A minha preferência vai claramente para o modelo físico, e o artigo de cima creio que expõem bem os motivos do porque. Naturalmente sendo tudo uma questão que envolve alguma perspectiva e opinião, poderá haver quem discorde da mesma, e é livre de o fazer.