O grande salto que será dado na próxima geração de consolas não será apenas no GPU, mas igualmente no CPU. E este segundo será o que poderá trazer a revolução, não podendo ser replicado nas consolas mais antigas. É aí que o streaming pode garantir uma alteração no futuro das consolas.
As evoluções gráficas são situações com grande impacto. A parte visual de um jogo é a que basicamente vende e grafismos de qualidade revelam-se factores que atraem, particularmente nos media onde o que é visualizado é apenas uma componente estática do jogo, e onde o visual é o ponto mais focado de forma directa.
A próxima geração de consolas poderá trazer ganhos de mais de 6 vezes face à capacidade gráfica das consolas de atual geração. No entanto, dado que a resolução em que estas consolas irão apostar será o 4K, uma resolução que requer 4x mais recursos do que os 1080p, este salto irá diluir-se e o que veremos, caso se usem 4K nativos, não será assim um salto visual tão grande como isso, face ao que temos atualmente.
O grande problema de situações como estas é que, depois, poderemos vir a encontrar jogos de consolas bem mais poderosas, em outras menos poderosas. Um bom exemplo é Hellblade: Senua’s sacrifice, um jogo visualmente poderoso na PS4, mas que aparece agora na Switch, uma consola com 5x menor capacidade gráfica.
Como é que isso é possível?
Bem, começemos pelo mais coerente. Para começar a resolução, que cai drasticamente! Quando na PS4 o jogo corre a 1080p fixos, na Switch, no modo Dock, o jogo corre a uma resolução que vai desde os 1024*576 aos 1280*720. Em modo portátil o jogo cai até os 711*400!
Mesmo olhando apenas para o caso mais favorável à Switch, 1080p é 125% mais do que 720p, ou 2,25 x mais o que quer dizer que a Switch apresentaria o mesmo resultado com 2.25 menos potência. ou seja, com apenas 817 Gflops.
Mesmo assim, estamos acima da capacidade da Switch, que é de apenas 375 Gflops. Algo mais teve de sofrer! O que?
Bem, as cenas mais pesadas são calculadas e processadas em tempo real na PS4, mas na Switch o jogo alterna entre zonas processadas e video. Ou seja, muitas cenas da Switch são pré-rendidas e misturadas com o jogo, sendo apresentadas como video. Esta situação permite fazer com que a Switch ganhe aqui alguma poupança de performance adicional.
Depois as texturas foram reduzidas em qualidade, de forma a poderem caber nas larguras de banda da Switch, e mesmo a geometria foi reduzida nas zonas mais complexas, de forma a permitir à Switch ganhos adicionais de performance. Menos geometria no cenários e especialmente nas árvores que passam a ser estáticas e não animadas.
A filtragem das texturas também cai drasticamente, e o jogo acrescenta neblina adicional de forma a reduzir a profundidade do que é visualizado.
Todo o sistema de iluminação está também alterado na Switch, usando uma solução bem menos exigente e notoriamente inferior com as sombras a perderem as suas nuances.
Os fps foram mantidos, sendo que as suas quebras são compensadas pela resolução dinâmica.
Basicamente o que importa reter daqui é que as diferenças entre a versão Switch e PS4 são… GPU. Ou seja, diferenças gráficas!
E esta é uma situação que se revela relevante para este artigo. Quando a diferença é gráfica, é sempre possível através de cortes, adaptar o jogo a sistemas inferiores. E isto quer dizer que jogos num sistema de nova geração que seja 6 ou 7 vezes mais capaz graficamente, quando a diferença de resolução é 4x superior, ele revela-se apenas 2 ou 3 vezes mais capaz. Ou seja, as dificuldades na adaptação de um jogo, por exemplo, de uma PS5 para uma PS4 acabaria provavelmente por ser menos problemática do que a passagem da PS4 para a Switch, apesar que os cortes teriam naturalmente de continuar a existir.
Por outras palavras, o grafismo acaba por ser a parte menos problemática num jogo. Sem prejudicar a jogabilidade é sempre possível mexer nos débitos do GPU mantendo o jogo em si intacto. E esta é uma realidade que permite adaptações como a que aqui acabamos de analisar.
Mas fora o GPU, a adaptação só foi possível por um motivo. O jogo não é exigente a nível de CPU e toda a lógica do jogo pôde ser incluída e processada pelo processador da Switch.
Esta realidade, que muito certamente continuará a existir em muitos dos jogos futuros, é a que permite a passagem do jogo para sistemas menos capazes. Quando o GPU é o fator que está a ser puxado ao máximo, um sistema mais fraco consegue fazer igual usando cortes. Mas quando é o CPU a coisa pode ser bem diferente.
No que toca ao CPU continuam a existir situações que podem sofrer cortes. Por exemplo, um jogo que use o CPU para sincronizar 60 fps, pode perfeitamente descer essa ocupação para metade e passar a sincronizar apenas 30. E tal permitiria um menor uso de CPU para manter o jogo!
Da mesma forma, física de animações de tecidos, árvores ou outros, que estejam a ser processadas no CPU (por norma isto acontece no GPGPU, mas pode ser feito pelo CPU), desde que não relevante para a jogabilidade, também podem ser removidos, permitindo a passagem do jogo para sistemas menos potentes.
Mas fora essas duas situações… pouco ou nada mais há no uso do CPU que possa ser simplificado. Se cortarmos na física do mundo de jogo, na IA, na capacidade de interacção dos elementos do mundo, o jogo deixa de ser o mesmo. É um tipo de situação em que não há forma de simplificarmos a coisa mantendo-a igual. Se a física for regida por outro modelo simplificado, mesmo que funcional, a situação cria diferenças na jogabilidade. Usar uma IA mais simples e menos capaz, faz exactamente o mesmo. E mudar a capacidade de interacção dos elementos do mundo, nem se fala.
O aumento da aposta neste tipo de situações, com físicas mais detalhadas, mais capazes, e mais realistas, a melhoria na IA dos NPCs, na capacidade de reacção, resposta adequada e pensamentos mais complexos, criação de personalidades e reacções dinâmicas a autónomas relacionadas com os acontecimentos do jogo, capacidade de interacção entre NPCs de formas não lineares e directamente programadas, etc, são situações que se esperam podermos vir a ver.
Por exemplo, num jogo de automóveis, deixaremos de ter uma física que gere o carro e o atrito dos pneus, e passaremos a ter um modelo bem mais complexo que calcula toda a dinâmica de passagem da potência às rodas, de forma a que problemas de motor se possa reflectir de forma realista nos diversos componentes, física de atrito, de forma a calcular as aderências nos diversos tipos de terreno, afectação dos pneus pela passagem de zonas com óleo, que duram enquanto o óleo estiver presente e não apenas durante tempos predefinidos e em zonas previamente determinadas na proximidade do local onde estava o óleo.
Os condutores dos carros deixarão de se definir como agressivos ou passivos, agindo de acordo com o seu historial na corrida, e deixaremos de ter aquela aparente incongruência que sentimos quando percebemos que os últimos carros andam pouco, e os ultrapassamos facilmente, sendo fácil aproximarmos-nos dos carros da frente. Mas apesar de nos aproximarmos facilmente deles, depois passa-los é muito mais difícil. Pior ainda, os carros de trás, tão fáceis de ultrapassar e com uma enorme disparidade de performances face aos da frente, quando batemos, estão logo ali para nos ultrapassarem.
Basicamente, actualmente temos um sistema de elástico em que os carros mais fracos quando ultrapassados não se afastam muito, melhorando as performances. Os carros da frente permitem a aproximação, mas quando estamos atrás deles melhoram as performances também para não serem ultrapassados tão facilmente. Uma sensação que certamente será familiar a muitos de vocês.
Isso é algo que de futuro pode acabar. Com condutores realisticamente definidos, e carros com performances adequadas à sua realidade, toda a corrida e sensação de controlo pode ser mais realista. E isto é algo que não pode ser cortado para uma adaptação a um sistema mais lento. Porque fazê-lo seria alterar o jogo!
A grande diferença entre as evoluções no GPU e no CPU acabam por ser exactamente impossibilidade de corte na grande parte das possíveis funções do CPU e que não existem no GPU. Tudo que o GPU faz pode ser escalado para diversas resoluções, pode levar cortes, pode levar simplificações, pode ser calculado de outra forma mais simplificada, e tudo sem implicações na jogabilidade. Pode ser visualmente diferente, mas tal não afecta a jogabilidade, e como tal é o mesmo jogo. Já o CPU é diferente, e nem tudo pode ser simplificado, sendo que o que pode até é limitado.
Jogos de nova geração existirão de todos os tipos. Uns usarão pouco o CPU, outros irão usa-lo de forma mais extensa. E serão esses os jogos que irão definir verdadeiramente a nova geração!
A consequência é que nesses jogos não há qualquer hipótese de os jogos serem adaptados a sistemas com CPUs mais fracos, e é nesse sentido que a aposta no Streaming acaba por fazer algum sentido. Se nas gerações anteriores as consolas que eram substituídas não podiam de forma alguma jogar qualquer jogos que usasse mais CPU do que o que possuíam disponível, sofrendo cortes no campo gráfico. no futuro tudo isso pode desaparecer graças ao streaming.
A compatibilidade para a frente passa a existir, com os jogos a possuírem exactamente o mesmo aspecto e as mesmas capacidades. A diferença passa a ser nos tempos de resposta do sistema e qualidade de jogo, mas as consolas podem continuar activas.
Apesar de sermos contra serviços de subscrição com oferta de novos jogos, por não termos até ao momento conseguido ver como os mesmos conseguem ser rentáveis (não quer dizer que não sejam, apenas que a economia por detrás dos mesmos é um mistério e não se consegue visualizar como se torna rentável), a disponibilização de jogos comprados por streaming pode ser uma solução para alcançar uma base de utilizadores maior, garantindo a manutenção dos mesmos na rede.
Não é a desejável, mas é a forma de se superar esta incapacidade de corte para sistemas mais fracos.