Afinal poderia este jogo correr num PC ou não? E numa PS4?
As perguntas acima colocadas podem soar a estranhas, especialmente a primeira, especialmente agora que Ratchet & Clank: Rift Apart saiu para PC e o vemos a correr no mesmo, mas infelizmente o mundo da informática está cheio de chamados “doutores da mula ruça”, que sem entenderem verdadeiramente de seja do que forse acham entendidos não deixam de opinar.
Esta é uma constatação que facilmente se percebe ao visitar fóruns de gaming. A quantidade de pessoas que comentam e criticam sem reais conhecimentos, despejando barbaridades é gigante, e com tendência a piorar pois agora temos a introdução de elementos até agora mais passivos nestas lides, os possuidores de PCs. E oh Meu Deus, estes são os que despejam mais barbaridades, especialmente quando comentam sobre as consolas, percebendo-se que a maior parte deles não dominam nada sobre as diferenças que as distinguem dos PCs. E para além de estes acharem os mestres supremos do Gaming, falam das consolas como se estás fossem hardware minimamente equivalente ao seu, podendo assim ser comparado diretamente. E nesse sentido, calcam-nas sempre que podem, ignorando questões como o preço, o sistema operativo, o nível de suporte, as ferramentas, e acima de tudo o facto de as suas performances se baterem com hardware PC bem mais caro.
O gráfico que se segue, fala por si:
Como se pode ver, para as performances de uma PlayStation 5 (40 fps a 4K com RT e 60 fps com resolução entre 1692p e 1800p) e, de 500 euros (incluindo controlador), torna-se necessário uma NVIDIA RTX 3080 ( Uma RTX 2080 já cai abaixo dos 60 fps a 1440p e dos 40 a 4K e a 3080 é o mínimo para garantir 40 fps a 4K). Ou seja estamos a falar de máquinas equipadas com GPUs que sozinhos custavam, no seu lançamento, bastante mais do que a consola. E isto apenas o GPU, que sem o resto do PC é apenas um pisa papéis.
Para a máquina completa teríamos ainda de incluir um CPU, motherboard, RAM, fonte, caixa, etc. E não menos importante, um SSD.
E o SSD ficou para o fim exatamente porque é sobre ele que os possuidores de PC estão a falar, alegando que, afinal, o tal jogo que só poderia correr na PlayStation 5 devido ao seu SSD, corre nos PCs… e com um HDD (apesar que com a qualidade no mínimo e a 720p).
No entanto, e acima de tudo é preciso que se perceba que a observação visual de que o jogo corre num PC e com um HDD não tem as respostas para tudo. O facto que Ratchet & Clank se encontra agora a correr no PC e até em HDDs (Apesar dos tempos de loading que cortam o conceito de jogo imediato por detrás da concepção do jogo, e que necessitam num PC com HDD, de mais RAM do que a mínima requerida para se tornarem aceitáveis), não impede que a afirmação de que este jogo em 2020 não poderia correr nessa máquina fosse verdadeira. Daí que a observação visual do facto não invalida o que foi dito, sendo apenas preciso haver um bocado de honestidade intelectual e perceber que entre a afirmação e o lançamento do jogo para PC, se passaram dois anos… E que nesses dois anos… muita coisa mudou!
E há também que se perceber que quando se usa o termo PC, não é o mesmo que se usar o termo PS5. O PC não é uma máquina, mas engloba uma enorme variedade de hardware e combinações de performance, pelo que correr ou não correr no PC não significa correr ou não correr na máquina do Manuel ou do Zé, mas sim correr num conjunto de combinações de hardware que tornem o público alvo minimamente aceitável para que o jogo seja viável comercialmente.
Quando a PS5 foi lançada e se falou do seu fabuloso SSD (e recordo que o SSD da PS5 não engloba apenas uma unidade de armazenamento baseada numa memória de leitura rápida, mas igualmente um sistema de descompressão, um sistema de motores de coerência, e uma memória ultra rápida onde a descompressão se faz a custo zero para o sistema, ou seja todos um sistema de I/O proprietário), um dos fanáticos de PC mais populares do mundo, o Linus Gabriel Sebastian, vulgarmente mais conhecido apenas por Linus do Linus Tech, resolveu tentar mostrar como afinal um PC conseguia fazer o mesmo e até melhor que a consola da Sony. E munido de um AMD Threadripper de 64 núcleos, tentou descomprimir dados do SSD à velocidade da Playstation 5.
O resultado… foi humilhante! E Linus, que tinha inclusivamente gozado com a afirmação de Tim, Sweeney, CEO da EPIC, e que referiu, na altura, que “A arquitetura de armazenamento da Playstation 5 está bem à frente de tudo o que possa ser comprado para PC, seja porque dinheiro for, neste momento”, veio a público, num vídeo, pedir desculpas pelo facto de ter duvidado daquilo que Sweeney disse.
A questão aqui, é que o Linus, mesmo sendo um fanboy PC, pouco tem de estúpido. E percebendo o seu erro… Infelizmente reconhecido à base de bater com a cabeça, aceitou-o e pediu desculpas por ter induzido em erro os seus seguidores!
Mas infelizmente há quem não seja dotado das mesmas capacidades, e ainda hoje goze com o SSD da Playstation5, acreditando que o PC (e mais uma vez se recorda que ao falar dele não se fala de uma combinação de hardware em particular) faz mais e melhor.
Ora esta introdução já mostrou a realidade… O PC, na sua arquitetura tradicional, sempre dependeu do CPU para descomprimir dados em tempo real. E se isso sempre foi adequado até hoje, sendo essa realidade algo que inclusive foi usado pelas consolas até esta atual geração, com o aumento maciço de transferência de dados que a nova geração trouxe, a arquitetura x86 que equipa os PCs bateu no fundo… E revelou-se incapaz de acompanhar!
Basicamente o PC tinha de dedicar diversos núcleos apenas à descompressão para acompanhar o que uma PS5 (e já agora, numa menor escala, a Xbox series, pois a Microsoft implementou na sua consola um sistema semelhante, apesar de não tão eficaz), o que lhe trazia severas penalizações no processamento. Basicamente o PC tinha ali um problema. E com as consolas a usarem uma base x86, este problema apareceu aos engenheiros que conceberam as consolas, e que prepararam assim as mesmas com hardware adicional para o ultrapassar.
Ratchet & Clank: Rift Apart foi um dos primeiros jogos a explorar o SSD da Playstation 5… Não o usou ao limite, aliás apenas roçou as suas capacidades, e não usou sequer toda a capacidade da PS5… Mas usou o sistema de uma forma em que a descompressão era continua, o que, num sistema x86 standard penalizava de tal forma os CPUs, que tal tornava o jogo impossível de ser usado por uma quantidade de máquinas que criassem um público alvo minimamente comercialmente viável, mesmo que estes tivessem SSDs rápidos o suficiente. A existir nessa altura uma máquina capaz de correr algo equivalente a este jogo… seria apenas a Xbox.
Este foi igualmente o motivo que tornou impossível levar o jogo para a Playstation 4. Não só o seu disco era lento, e com apenas 5400 rpms, como a PS4 não possui forma de descomprimir os dados recebidos senão usando o seu CPU… E dessa forma o pobre do CPU Jaguar não se revelava com capacidade para executar este jogo. Mas diga-se que não fosse isso, como qualquer jogo, com os devidos cortes, o mesmo poderia ter sido adaptado à PS4.
A prova que o HDD da PS4 era incapaz está no vídeo que se segue da Digital Foundry, onde um PC foi equipado com um disco igual ao da consola. Mas note-se que este vídeo, apesar de mostrar como o HDD era lento e causaria problemas diversos, não mostra a realidade toda do que aconteceria na consola. E isto porque o PC em causa está dotado de um GPU com suporte Direct Storage 1.2, para além de um processador em tudo superior ao Jaguar da PS4. Como o John Linneman refere, este PC está um pouco acima dos specs mínimos, o que implica pelo menos um i3-8100 ou AMD Ryzen 3 3100, ambos bastante superiores ao Jaguar, e um GPU NVIDIA GeForce GTX 960 ou AMD Radeon RX 470, ambas com suporte Direct Storage 1.2.
Our first look at Ratchet on PC! It has a few issues but it’s overall in good shape! Infinitely better than TLOUP1 and Jedi Survivor at launch. The funniest bit is when Rich tried running the game off an actual PS4 hard drive on a machine just above min spec! https://t.co/Qt0qkYwzeu pic.twitter.com/hgFrXKVGSG
— John Linneman (@dark1x) July 26, 2023
Ou seja, o que vemos em cima não representa como o jogo correria numa PS4, mas sim num PC com as especificações mínimas (o que inclui o obrigatório suporte Direct Storage que o GPU da PS4 não possui) e um disco igual ao da PS4. E mesmo assim, diga-se, não é bonito.
Ora o suporte Direct Storage (que tem como suporte mínimo os GPUs acabados de se indicar) é aqui essencial de ser referido. Porque foi graças a ele que as coisas mudaram e este jogo passou a ser possível no PC. Mais uma vez não na máquina A ou B, mas sim no PC como plataforma onde a diversidade de combinações de hardware e performances é gigante.
Basicamente o Direct Storage veio trazer ao PC uma solução para o seu problema de descompressão e elevada ocupação do CPU… passando essa descompressão para o GPU. E insista-se que quando falamos em PC não falamos na máquina A ou B, e muito menos nas super poderosas com performance para dar e vender, e que são apenas uma pequena fatia do mercado como nos mostram as estatísticas de hardware do Steam, mas sim no PC médio e genérico.
Esta solução, apesar de ser no PC muito mais incompleta, veio da Xbox series… Que por sua vez já era igualmente muito mais incompleta que a da PS5. Mas apesar de tal, chegou para resolver o problema, desviando a carga da descompressão para outro lugar onde a mesma é menos penalizante.
Foi a existência do Direct Storage que permitiu que este jogo pudesse chegar ao PC (E o Direct Storage 1.2 que permitiu o suporte de discos HDD)… mas isso não permitiria que este jogo chegasse à PS4. Isto porque como referido o seu GPU não possui os requisitos mínimos para este suporte, pelo que a PS4 continuará sem poder correr este jogo. Mas mesmo que o suporte pudesse, de alguma forma, existir, ao contrário da PS5, e tal como nos PCs, esta descompressão não teria custo zero, e teria implicação nas performances do GPU. E o GPU da PS4 com apenas 1.84 Tflops poderia não conseguir lidar com tudo.
Apenas como nota (e entendo como relevante de ser dita daí que a vou colocar a negrito), o Direct Storage até poderia ser removido neste jogo, passando a descompressão para o CPU. Teoricamente, e com um CPU forte poderíamos até nem ter maiores tempos de carga, e garantidamente teríamos ganhos no GPU. Mas se isso num sistema forte poderia até nem fazer diferença, num lento o que teríamos eram garantidamente maiores tempo de carga. Daí a importância de se perceber que PC não é um CPU de topo com um GPU de topo, mas sim uma potencial enormidade de combinações de hardware e performances que requer suporte numa enormidade de configurações menos capazes para alcançar um público alvo minimamente viável.
É igualmente relevante ser dito que uma segunda leitura de uma mesma zona do jogo devolve forçosamente tempos de leitura inferiores devido às caches, pelo que há que se ter muito cuidado com vídeos que se vejam e não explicitem essa situação, bem como se deve verificar a RAM do sistema, pois mais RAM permite mais cache de objectos e texturas e consequentemente menor necessidade de leitura.
Resumidamente, os fans do PC ignoram esta realidade. Ignoram que o PC faz o que faz devido a que a solução para o problema foi pensada para a concepção de uma consola (a Xbox), e felizmente, apesar que apenas na parte possível por software, conseguiu ser adaptada ao PC (apesar de não ser suportada por todos os GPUs), e ignoram acima de tudo que isso foi algo que apareceu recentemente, e que como tal, em 2020, sem ele, aquele jogo nunca poderia existir no PC. E isso não pode nunca ser por falta de compreensão… tem de ser fanatismo absoluto mesmo!
Naturalmente não posso deixar de terminar aqui este artigo sobre o SSD da PS5 sem abordar uma outra questão que deixa aqueles com menos conhecimentos incapazes de perceber as coisas, e absolutamente às moscas, mostrando assim a sua total e completa ignorância sobre como funciona um SSD e como se opera a descompressão dos jogos. A questão sobre como é que um SSD supostamente com todas estas capacidades, e bem mais rápido, como o o da PS5, pode perder contra o existente nas Xbox series?
A realidade é que eu já fiz um em tempos um artigo que explicava alguns dos pontos que justificam isso, e que abordarei mais à frente por ser super relevante de ser percebido, mas entretanto aqui vai de novo de forma muito simplificada:
Torna-se claro que esta dúvida ao existir, quem a tem, para além de não ter noção de como sempre funcionou a descompressão de dados, também não percebe igualmente absolutamente nada de como os sistemas funcionam e como necessitam de serem programados, porque senão saberiam que o uso das funções avançadas de um sistema requer chamadas específicas de código para as mesmas. Basicamente, de forma muito simplista, o sistema de I/O do SSD da PS5 não funciona por milagre… ele tem de estar suportado pelo código que está a ser executado, e na sua falta a PS5 comportar-se como um sistema x86 tradicional.
O que isso implica é que jogos da PS4 que corram na PS5 não vão, milagrosamente, usar as capacidades deste sistema de I/O. No fundo as coisas vão ser mais rápidas a carregar, mas isso deve-se apenas ao facto que o SSD da PS5 lê mais rápido que o HDD da PS4, e que o CPU da PS5 é também mais eficaz internamente que o da PS4. Mas o certo é que, perante código da PS4, nenhuma das funções avançadas deste sistema de I/O fica em uso!
Isto não é muito diferente de se trocar um HDD por um SSD num PC, onde os ganhos são imediatos. Mas se ligarem um dispositivo VR ao PC os jogos não vão ser VR por milagre, e apenas os que o suportam funcionarão. Isto não é assim tão complicado de se perceber.
Esse é o motivo pelo qual, no que toca à retrocompatibilidade, mesmo em jogos adaptados e re-compilados para os novos sistemas para suportar Ray Tracing, os jogos carregam mais depressa na Xbox. Sendo que as consolas para que foram originalmente programados fazem as descompressão dos dados lidos usando o CPU, e isso sendo mantido, este é o fator que vai criar o gargalo nas cargas. E aqui, não só o processador da consola emulada é mais rápido do lado da Xbox (o CPU da One corria a 1,75 Ghz, e o da PS4 a 1.6 Ghz), como a Xbox, desligando o SMT (que não interessa em jogos retrocompatíveis), tem um CPU mais rápido que o da PS5 (3.8 Ghz contra 3.5 Ghz).
Daí que facilmente fica explicado o motivo das cargas mais rápidas na Xbox nestes jogos. Não é que o seu SSD seja mais rápido… porque na realidade o que está a ser lido até foi criado para ser lido de um HDD de 5400 rps, pelo que a velocidade do SSD, pela baixa carga de leitura, não é, de forma alguma, o fator mais relevante. O gargalo está na descompressão pelo CPU… e a Xbox, nestes jogos retro, quer porque tem um CPU mais rápido, quer porque emula uma máquina com um CPU mais rápido… tem a vantagem.
Daí que, em 99% dos casos, a Xbox seja mais rápida a ler estes jogos.
Quanto aos restantes casos, já em jogos feitos para as novas consolas, em que, eventualmente, a Xbox bate a PS5… Bem, para uma percepção do que fisicamente acontece numa leitura, somente um curso de eletrônica permitiria perceberem como as coisas funcionam num SSD. No entanto, podem sempre ler este artigo, que apesar de não ser exatamente a mesma coisa, explica o básico de uma forma que todos podem compreender.
As consolas são efetivamente hardware muito fraco face ao que são os PCs de topo. E máquinas que requerem optimização para performances. Mas que depois competem com hardware muito mais poderoso.
Se no PC uma RTX 3060 com 12 TFlops é sempre mais lenta que uma 3080 com 28.9, uma consola com um GPU de 10.28 Tflops supera-se ao ponto de a 3080 ser necessária para se conseguir fazer igual… E isso é um mérito enorme. No caso da descompressão de dados em grandes fluxos vindos do SSD, os PCs atuais já superaram o seu problema. Mas daí a o fazerem a custo zero para os recursos do sistema, como a PS5 faz, ainda vai demorar.
Uma coisa que o artigo citou e chama bastante atenção nos testes é como o jogo tem desempenho muito melhor nos PCs de topo sem o direct storage. Estamos falando de mais de 30%. Principalmente em gpus da nvidia. Entendo a lógica, mas deveria ter tamanha diferença?
Há vários fatores a se ter em conta, e a RAM é um deles, pois caso ela seja mais, evita tantas cargas. Mas por aquilo que eu vi em alguns vídeos, a descompressão máxima atingida é de 620 MB/s, o que está longe dos 17 GB/s do sistema de I/O da PS5.
É no no entanto suficiente para entupir uma PS4, e a maior parte dos CPUs do PC.
Agora a coisa varia dependendo do hardware do PC e nos atuais sistemas de topo isso não acontece.
Recorde-se que a PS5 é Zen 2, e os PCs podem ter Zen 4.
Pior ainda se for Intel pois a Intel tem lançado mais gerações. Em 2020 tínhamos a 10ma geração e já vamos na 13a.
Resumidamente estes novos CPUs estão longe de ficarem ocupados com o jogo, e tem cpxu suficiente para descomprimir o jogo só pelo CPU.
Isso liberta o GPU… Que como digo no artigo não faz a coisa a custo zero como na PS5, mas gastando recursos. Se 30% é o que vês, é o que gasta… É muito… E certamente será melhorado, mas nesta fase será o que gasta.
Relacionado. Comparativo que colaborei, mas o mérito é total é do Gustavo Martoni, que por vezes comenta aqui.
PS5 VS 2080TI, que muitos achavam ser impossível o console bater.
https://youtu.be/0mtZmdEaVXY
Parabéns para ti e para o Gustavo, Andresão!!!! Showwww
Bom timming. E bom trabalho.
Obrigado Edson e Mário.
Otimo artigo Mario, bastante esclarecedor.