A Sony paga para manter os jogos fora do Gamepass?

Salvo algum tipo de prova (que a Microsoft não apresenta) a afirmação aparenta ser uma completa deturpação de uma realidade que não é diferente da que a própria Microsoft ela mesma faz: O pagamento para conteúdo exclusivo!

Após a resposta da Sony aos reguladores Brasileiros onde afirma que o Call of Duty é um Franchising que poucos se encontram em situação de igualar, sendo um ’blockbuster’,do tipo AAA que não tem rival, a Microsoft apresentou um novo documento de resposta.

Eis o documento na integra, caso o queiram ler, e em Português.

Basicamente o que se percebe é que há aqui uma troca de acusações… A Microsoft ataca a Sony no sentido de proteger a sua compra, acusando-a essencialmente de três coisas:

• Ser a única entidade que afirma que Call of Duty é um Franchising que poucos se encontram em situação de igualar, sendo um ’blockbuster’,do tipo AAA que não tem rival.
• Pagar para impedir os criadores de software de colocar os jogos no Gamepass e outros serviços de subscrição competidores.
• A Sony não querer serviços de subscrição concorrentes e atrativos que ameacem a sua posição de líder.

Vamos analisar e comentar cada um destes pontos:

Acima de tudo há que se perceber que tudo na vida é uma questão de perspetiva. Acima de tudo há que se ter a noção que pelo facto de estas empresas verem a coisa de forma diferente, isso não quer dizer que uma está certa e a outra está errada. Claro que, mediante a perspectiva de cada um, poderão ser tomados lados e serem apresentador argumentos, mas na realidade isso não torna a Sony correta ou a Microsoft correta.

A questão é que para se confirmar o que cada um diz, e verificar quem poderá efetivamente ter razão será necessário verificar-se uma série de situações para comprovar as afirmações de cada um. E é nesse aspeto que a Microsoft falha, pois as suas afirmações não são devidamente sustentadas, e soam mais a uma narrativa que encaixa as suas pretensões do que outra coisa, sendo que é nessa perspetiva que vamos analisar aqui a coisa.

Acima de tudo, é Call of Duty um Franchising relevante ou não? Vamos esquecer as perspetivas de cada um e ver a realidade!

Call of Duty é, pura e simplesmente o Francising multi plataforma mais vendido do mundo. Segundo os websites que registam vendas, o Franchising Call of Duty regista qualquer coisa como 425 milhões de cópias vendidas.

Já o segundo Franchising Multi Plataforma mais vendido do mundo, GTA, apenas regista 380 milhões de cópias…

Apenas 380 milhões? bem, 380 milhões é uma enormidade, mas é apenas 89% do conseguido por Call of Duty, o que significa que há ainda aqui uma diferença significativa (Fonte)

Mas Call of Duty não se distingue apenas pelas vendas, distingue-se pelo facto que é basicamente um Franchising anual… e de elevadíssima qualidade.

Nesse sentido, manter as pessoas engajadas e em lançamentos regulares efetivamente mostra um investimento e uma infra-estrutura já criada em torno do jogo que não está ao nível de muitos. Mesmo a EA com o Seu Battlefield não tem conseguido acompanhar. Não só o Battlefield não tem lançamentos anuais, como o histórico dos últimos jogos deixa bem a desejar com a qualidade a sofrer valentemente devido a problemas dos mais diversos. E nesse sentido, não consigo deixar de dar razão à Sony quando diz que este é um Franchising AAA que dificilmente outros estarão em condições de conseguir igualar.

Daí que analisamos a primeira acusação:

Acusação 1:A Sony ser a única entidade que afirma que Call of Duty é um Franchising que poucos se encontram em situação de igualar, sendo um ’blockbuster’,do tipo AAA que não tem rival.

É um facto que a Sony é a única que coloca as coisas nestes termos, com os oponentes a não dizerem o mesmo e até a apresentarem rivais ao Franchising. E a realidade é que estas empresas não estão erradas. Efetivamente existem concorrentes ao Call of Duty, mas naturalmente que dificilmente estas iriam admitir num documento que poderia sair a público (como saiu), que reconhecem que o produto da concorrente é superiorao que elas mesmo produzem, e que como tal, não pode ser igualado. Aliás reconhecer o contrário só faz bem á sua auto valorização e promoção dos seus títulos.

Mas então porque motivo a Sony vai contra a corrente?

A Sony fá-lo por um motivo e um motivo apenas. Um motivo que a distingue de todos os outros que responderam às questões. É que de todos é a única entidade que é detentora não apenas de jogos, mas igualmente de uma plataforma concorrente, a Playstation.

Daí que a Sony ser a única entidade que afirma tal coisa não surpreende. Porque na realidade é a única que está numa posição em que pode sair verdadeiramente lesada. Compreenda-se que para uma EA, Ubisoft, ou outro, vender os jogos na PS ou na Xbox é igual, desde que as vendas não caiam. Mas para a Sony a coisa não é assim, e a perda de vendas na sua plataforma afeta-a.

Daí que quanto à primeira questão, o argumento da Microsoft, apesar de verdadeiro, parece criado para se adaptar à sua argumentação, porque o facto de a Sony ser a única a argumentar algo assim nos parece claramente percetível e lógico de ser percebido.

Acusação 2: A Sony pagar para impedir os criadores de software de colocar os jogos no Gamepass e outros serviços de subscrição competidores.

Esta é uma situação que nos surpreende. E naturalmente não estamos em posição de dizer se isto é verdade ou mentira, mas a realidade é que uma acusação destas é muito séria, e como tal deveria ter sido feita com a apresentação de algo que a Microsoft não mostra: Provas!

Porque sem elas, perante o conhecido e a prática corrente no mercado, quer-nos parecer que a Microsoft poderá estar a deturpar uma realidade bem conhecida nossa, no sentido de tentar fazer parecer que as coisas são diferentes daquilo que realmente são, adaptando a coisa à sua retórica.

Vejamos: Quando uma empresa paga para ter conteúdo exclusivo na sua plataforma, ela está indiretamente a fazer outra coisa: A impedir que os criadores do conteúdo publiquem a mesma na outra plataforma.

Daí que a coisa pode efetivamente ser vista de duas formas.

1. Na forma concorrencial e comum, em que a empresa paga para ter conteúdo exclusivo!
2. Na forma mais maliciosa, onde o que se vê é que a empresa paga para que o conteúdo seja bloqueado nas plataformas rivais!

E é isto que nos parece que está a acontecer aqui! A Microsoft parece estar a deturpar uma realidade e uma prática comum no mercado, no sentido de conseguir a simpatia dos reguladores. Uma situação que ela mesma pratica, pois quando anuncia exclusivos, exclusivos temporários, ou exclusivos de lançamento, ela tambem pagou para que eles não apareçam na consola oponente. E olhem que só nesta geração não são poucos!

O que nos leva a acreditar nesta possibilidade e a análise de uma clausula de um acordo da Sony que foi tornada pública recentemente, e que segundo alguns links é nele que a Microsoft se apoia para o que diz. Vamos vê-la:

Este extrato faz parte de um acordo de exclusividade, neste caso temporária e de 1 ano, onde nestes pontos 1.9.1 e 1.9.2 a Sony refere explicitamente quais as plataformas que o mesmo restringe de se poder lançar o jogo.

O motivo pelo qual as coisas são explicitamente chamadas pelo nome deve-se a dois motivos.

1. A possibilidade de se criarem-se exceções, como por exemplo o PC.
2. A fuga legal ao definido no contrato por interpretação dúbia do conteúdo.

O facto de os serviços de subscrição serem, legalmente, eles mesmos considerados plataformas, obriga à clausula 1.9.1 que basicamente para garantir a exclusividade necessita de restringir o acesso a esses mesmos serviços durante a vigência da exclusividade. Caso não fosse algo assim tão claro, e a “chamar os bois pelos nomes”, poderia ser possível encontrar-se aqui um vazio legal para se quebrar a exclusividade.

Mas a realidade é que se efetivamente estas alíneas confirmam o que a Microsoft refere, em que a Sony paga para excluir-se conteúdos do Gamepass, a realidade é que aqui não há nada de novo,  sendo apenas um acordo de exclusividade, igual aos que a Microsoft faz, e onde se deixa claro que um jogo exclusivo não pode entrar noutras consolas seja por que meio for!

E ver as coisas pela perspetiva de que a Sony não está a comprar exclusividades, mas a pagar para afastar os jogos do Gamepass é uma perspectiva não só distorcida, como diga-se algo maquiavélica no sentido de adaptar uma realidade normal do mercado, e tambem praticada pela Microsoft, a uma atitude maldosa que se tenta passar como exclusiva do concorrente, que se adapta a sua argumentação.

Será ainda de se realçar que estas restrições acima indicadas são apenas clausulas do contrato, e não a base do contrato em si. E isto legalmente faz toda a diferença!

Uma coisa é o teor do contrato, ou seja o seu objetivo. E isso é descrito no corpo do documento. Os pontos ou alíneas são apenas clarificações sobre o que direta ou indiretamente fica implícito no contrato, mas não é o teor do contrato em si. Ou seja, para que a acusação da Microsoft fizesse sentido, a Microsoft teria de apresentar um contrato onde o objetivo do mesmo não fosse o garantir da exclusividade do produto para a Sony, mas sim o retirar/impedir o produto de entrar no Gamepass.

Resumindo, salvo qualquer acesso a outro tipo de documento que a Microsoft tenha tido, e que, neste caso, perante a afirmação, deveria apresentar (o que não aconteceu), tudo aponta para que a Microsoft esteja a distorcer uma realidade normal neste mercado a favor das suas retórica.

Diga-se aliás que, historicamente só há uma situação em que uma empresa tenha tomado uma postura de força para remover exclusivos da outra plataforma. Isso passou-se em 2014, com o ID@Xbox!

Para quem não se recorda, o ID@Xbox era uma iniciativa destinada a promover jogos Indie. Mas a iniciativa tinha um senão! Uma clausula, que referia que um jogo apenas poderia ser lançado na Xbox se obedecesse a pelo menos um dos seguintes critérios:

• Fosse lançado na Xbox ao mesmo tempo que na Playstation
• Tivesse algum conteúdo exclusivo Xbox
• Fosse exclusivo Xbox

Basicamente esta iniciativa, criticada pelos Devs, e que teve esta clausula terminada mais tarde pela Microsoft que via muitos devs, receosos da falta de aprovação, e incapazes de terem recursos para lançamentos simultâneos, a evitarem a Xbox completamente, impedia os jogos de serem exclusivos, mesmo que temporários, Playstation, sob pena de não poderem ser lançados na Xbox. E caso tivessem estado na Playstation, teriam de ter algum conteúdo exclusivo para a Xbox.

Curiosamente, o ser exclusivo Xbox era uma alternativa, mostrando claramente o “olha para o que eu digo, mas não olhes para o que eu faço”.

Acusação 3: A Sony não quer serviços de subscrição concorrentes e atrativos que ameacem a sua posição de líder.

Neste aspeto a Microsoft afirma:

Em suma, a Sony apresenta irresignação por ter de concorrer com o serviço por assinatura da Microsoft. As manifestações públicas da Sony sobre assinatura de jogos e a resposta da empresa ao ofício da SG são claras: a Sony não quer que serviços por assinatura atraentes ameacem sua dominância no mercado de distribuição digital de jogos de console.
Em outras palavras, a Sony se insurge contra a introdução de novos modelos de monetização capazes de desafiar seu modelo de negócios

Quanto a esta afirmação é muito difícil alguém se pronunciar, pois trata-se de uma suposta intenção e vontade. Por esse mesmo motivo colocar isto sob forma de afirmação, como a Microsoft fez, e não de suposição é tambem algo de que discordo. Seja como for, a microsoft pode aqui ter toda a razão… ou não ter nenhuma! E a única forma de se o saber, era ter-se acesso à contabilidade do Gamepass, obtida de forma estanque, ou seja, sem a injeção de capital de outras fontes. Talvez seja a altura da Microsoft dar estes dados aos reguladores, para que estes possam averiguar se realmente é a Sony se opõem a este serviços, ou se a Sony se recusa a entrar em negócios ruinosos por não ter a infra-estrutura da Microsoft por detrás para cobrir as perdas.

Dito isto, pretende-se deixar claro que este artigo apenas pretende a analisar estes três pontos. Apesar de todos sabermos a mossa que, teoricamente, e no pior dos cenários, um Call of Duty exclusivo poderia causar na Sony, a realidade é que a Sony não se pode queixar de a Microsoft querer um exclusivo quando ela mesma vive de exclusivos.

E nesse sentido, apesar de reconhecer a razão à Sony nestes três pontos, isso não implica que selhe de a razão na totalidade. Acima de tudo os reguladores não tem de estar procurados coma Sony, mas sim com o mercado e a estabilidade do mesmo, bem como com o consumidor e se este pode sair prejudicado. O resto, se a Sony fica prejudicada ou não, tem de ser algo irrelevante, pois o direito da Microsoft em adquirir a Activision não pode ser prejudicada pelos interesses da Sony, que não são superiores aos de qualquer outro.

Nesse sentido espera-se apenas que os reguladores verifiquem isso mesmo, não impedindo a venda, mas quando muito impondo regras de etiqueta com a concorrência que terão de ser seguidas.

Entendemos que este esclarecimento é relevante no sentido de não se julgar que, pela análise independente dos pontos que se fez acima, e nos quais se deu razão à Sony, estamos contra ou a favor de alguém. Porque isso é algo que não nos compete e nem se pretende fazer ou demonstrar aqui.