EEE – Embrace, Extend and Extinguish, ou em Português, Adoptar, Estender e Extinguir/Exterminar, é uma política confirmada em tribunal e praticada pela Microsoft, cujo nome foi atribuido pelo Departamento de Justiça Norte Americano, e que descreve a sua estratégia de lançar produtos envolvendo padrões amplamente usados, estendendo esses padrões com funções proprietárias e incompatíveis e então usar essas diferenças para por seus concorrentes em desvantagem
A Microsoft tem sido aqui muitas vezes por nós criticada pela forma como ela entra num mercado já estabelecido e o altera ao seu bel prazer, criando situações novas que lhe são favoráveis, e tentando com isso colocar depois os seus concorrentes em desvantagem.
Ora apesar de sabermos que esta é uma prática comum na Microsoft, o que não sabíamos, e daí este artigo, é que ela já tinha ido a tribunal por várias vezes por isso mesmo, tendo mesmo o Departamento de Justiça Norte Americano dado um nome muito curioso a esta prática!
Efectivamente, em julgamento esta prática foi exposta num testemunho de Ronald Alepin, que deu a conhecer e-mails internos da Microsoft que confirmavam a prática que o Departamento de Justiça Norte Americano denominou de Embrace, Extend and Extinguish (EEE), ou em Português, Adoptar, Estender e Extinguir ou como alguns preferem, Exterminar, e que basicamente consiste em entrar em mercados populares, já estabelecidos e com sucesso, copiando e adoptando o modelo do concorrente, estendendo o mesmo com alterações associadas a áreas onde a Microsoft tem vantagem, exclusividade, ou domina, tentando usar depois essa vantagem para aniquilar a competição.
E temos a certeza que esta descrição já faz soar muitas campainhas nas cabeças de muitos e por práticas bem recentes!
Um dos casos em que a Microsoft foi julgada por estas práticas prende-se com os controlos ActiveX do Internet Explorer. Todo o IE, de forma a ser tornar popular, foi criado para ser compatível com o browser mais popular da altura, o Netscape, mas o ActiveX quebrou a compatibilidade dando assim uma vantagem adicional à Microsoft, e aniquilando o Netscape.
Curiosamente isto faz lembrar o que a Microsoft pretende agora fazer com o Edge, que passará a ter como base o motor Chromium do Chrome. Mas dê-se-lhe popularidade, e a Microsoft rapidamente colocará no mesmo algo que o Chrome não faz, e tentará assim aniquilar o mesmo do mercado.
Ora após o caso com a Netscape a Microsoft voltou à baila. Desta vez foi a Opera, que teve de intervir junto da união Europeia, para forçar a Microsoft a aderir ao standard CSS, uma vez que esta estava a entrar pelos caminhos do Embrace, Extend and Extinguish com ele.
Ainda no que toca à criação de incompatibilidades com os browsers da concorrência, e apesar de este não ter sido um caso que tenha ido a tribunal, um e-mail de Bill Gates, em 1998 referia o seguinte:
- Uma coisa que nós temos que mudar na nossa estratégia – permitir que os documentos Office rendam bem nos browsers de terceiros é uma das coisas mais destrutivas que podemos fazer à empresa. Temos de parar com todos os esforços nesse sentido e garantir que os nossos documentos Office dependem de capacidades proprietárias do Internet Explorer. Qualquer outra coisa é um suicídio para a nossa plataforma. Este é o caso onde o Office tem de evitar fazer algo para destruir o Windows.
Um outro caso em que a Microsoft foi chamada ao tribunal prendeu-se com o Java e em que a Microsoft foi acusada de estar a entrar na segunda fase da sua prática ao criarem uma implementação do Java que omitia o Java Native Interface (JNI) e o J/Direct, criando assim programas Java que, em vez de serem independentes da plataforma, como todos os programas Java deveriam ser, estavam presos à sua plataforma, e como tal inúteis em sistemas Mac ou Linux, por exemplo. A ideia da Microsoft era ignorar a capacidade de cross-plataform do java tornando-a na “BEST WAY TO WRITE WINDOWS APPLICATIONS“. Apesar de desconhecermos outros fechos, neste caso sabemos que a Microsoft teve de pagar à Sun 20 milhões de dólares como compensação.
Mas a questão do Java não ficou por aqui, tendo a Sun voltado a processar a Microsoft por novas práticas relacionadas com a sua política dos 3 E’s. No entanto esta situação nunca chegou aos tribunais pois a Microsoft acordou recuar e pagar 2 mil milhões (2 biliões na notação Americana) à Sun. Reparem que para um acordo destes extra judicial, o quanto a Microsoft não se arriscaria a pagar se fosse a tribunal…
Num outro exemplo em que houve este tipo de prática EEE, a Microsoft incluiu no Windows uma extensão para o protocolo de rede Kerberos (um padrão da Internet) que negava eficazmente acesso a todos os produtos, excepto os criados pela Microsoft, de aceder a um servidor Windows 2000, usando o Kerberos.
A extensão era cedida num EXE que era acompanhado por um NDA com o qual tinha de se concordar para se executar, e que não permitia a implementação por terceiros. O que valeu foi que usuários do Slashdot, ignorando o NDA, resolveram publicar o documento, o que permitiu a terceiros aceder ao código fonte sem terem concordado com o NDA.
A Microsoft em vez de perceber o erro reagiu com uma intimação ao Slashdot para que removesse o conteúdo. Apesar de estar a abusar de um standard que não era seu, o melhor que ocorreu à Microsoft foi ameaçar.
A resposta da Slashdot foi não se acobardar, fazendo frente à Microsoft e usando uma equipa de advogados para lhes responder com uma série de questões que pretendiam ver respondidas para perceber até que ponto a Microsoft estava devidamente legal ao fazer o que tinha feito. Até à presente data os advogados da Microsoft não responderam a essas questões, e a situação morreu ali.
Bem mais recentemente, a Slashdot e utilizadores do Reddit acusaram a Microsoft de que, com as suas novas políticas de “abraçar” o Linux e o Android, a ideia da empresa era no futuro passar aos dois passos seguintes da sua política, tentando no final acabar com ele. Entre os argumentos surgem frases de Steve Balmer, ex CEO da Microsoft, que chamou “cancro” ao Linux, e que referiu ser necessário um curso em ciências da computação para se mexer no Android, e questionando se esses conceitos mudaram realmente na empresa, até porque em 2015, já sob as ordens de Satya Nadella, a Microsoft extorquia os OEMs com royalties sobre patentes existentes no Linux e Android. Note-se que o termo extorquía não é nosso, mas sim o usado pelas notícias sobre o assunto.
Outro caso prendeu-se com as mensagens instantâneas da AOL que eram um padrão no inicio do século. A Microsoft resolveu abraçar o protocolo, estendendo o padrão com addons proprietários que acrescentavam recursos, mas que quebravam a compatibilidade. A ideia era extinguir a AOL que estava impedida de usar os protocolos patenteados da Microsoft, permitindo assim que o MSN Messenger, ofertado gratuitamente num OS que tinha uma quota de 95% do mercado, se tornasse um standard.
Casos como estes são aos pontapés… e temos exemplos bem recentes! Por exemplo, com a Nokia, a Microsoft queria abraçar o mercado dos smartphones, mas a ideia não era somente entrar no negócio. Era isso sim, estender o que havia com a introdução do seu OS que se apoiava numa suposta compatibilidade com o windows de PC que mais ninguém oferecia, usando um API universal que era seu. A ideia era crescer e entrar em força no mercado, oferecendo algo que, apesar de o Windows ser visto como de livre acesso, a concorrência não tinha e nem tinha possibilidade de oferecer, mas falhou redondamente pela falta de adopção pelo público em geral.
Claro que os nossos leitores não nos perdoariam se não tentássemos fazer um paralelismo entre isto e o que se tem passado nas consolas. E a realidade é que a Microsoft, com a Xbox, começou por abraçar o mercado das consolas, entrando no esquema standard que se revelava um sucesso. Mas eis que a Microsoft começa a expandir e a alterar o modelo, de forma a acrescentar suposto valor. Atualmente, a extensão da plataforma ao PC, um mercado que não pertence à Microsoft, mas que é tomado como seu uma vez que o sistema operativo dominante é o Windows, é uma forma de criar aqui algo que é exclusivo Microsoft, de forma a ganhar domínio no mercado e apagar a concorrência. A implementação da plataforma Xbox no Windows, é uma exclusividades num sistema operativo que deveria criar condições concorrenciais iguais para todos. Mas a forma como a Microsoft tem a Xbox enraizada no núcleo do sistema operativo, que é partilhado com a consola, não permite sequer uma alternativa equiparada à concorrência.
O grande entrave para o domínio total da Xbox é o Steam que tem impedido, pelo menos no software de terceiros, o domínio da Microsoft e da Xbox. Aliás o Steam no campo do Cross Play tem como parceiro preferencial a concorrente Sony, e daí que a Microsoft aposte agora em remover de vez o sistema de compras digitais clássico, apostando num sistema de Cloud Gaming por streaming que eliminaria a concorrência da Steam e poderia fazer tremer as consolas, como a Sony reconhece.
A questão aqui é que a Microsoft poderia ter feito tudo isto de outra forma. Apostava no PC, dava-lhe suporte, criava uma Box com hardware optimizado, mas não lhe chamava consola, e nem entrava no mercado das consolas. Mas não… a ideia aqui foi abraçar o mercado de Gaming melhor sucedido, estende-lo ao maior onde a Microsoft está com a exclusividade, criando padrões que o modelo clássico das consolas não suportam, e exterminar assim a concorrência, obtendo a fatia total do bolo.
Se podemos criticar isto? Sinceramente não sei! O mercado empresarial é de comer ou ser comido, e estas práticas só são ilegais quando abusivas. No caso das consolas a Microsoft parece estar a tentar entrar pelos mesmos caminhos que tentou usar com a Nokia, ao criar uma universalidade consola PC apoiada nos APIs UWP que são um exclusivo seu, e que fecham a entrada de terceiros que não os adoptem. A questão é que, sendo a sua consola uma plataforma que por concepção é fechada, a haver aqui uma prática de EEE ela está a acontecer sobre o Windows, pelo que essa queixa terá de incidir sobre situações de quebras de concorrência do Windows e não sobre as consolas em si. Daí que para a queixa acontecer, seria necessário que outra empresa quisesse fazer o mesmo que a Microsoft está a fazer com a Xbox e o PC, o que no fundo, pelo facto de existirem poucas empresas a produzir consolas, limitaria a origem das queixas à Sony e Nintendo, sendo que nenhuma delas está interessada na expansão para o PC uma vez que tal foge do modelo clássico de consolas que estas empresas mantêm, e que correm paralelamente a esse mercado. Ou seja, este parece ser um caso onde a Microsoft tem tudo para poder aplicar a sua prática sem que seja condenada por isso pois pela falta atual de interesse da concorrência dificilmente alguém irá acusar a Microsoft de abuso.
Mas que a prática está lá, e que ela é condenável, conforme o comprovam os casos e as sentenças de tribunal, isso parece inegável.